De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, vinho é "a bebida alcoólica resultante da fermentação total ou parcial do mosto de uvas frescas". Pelo artigo 3º da lei 7.678/88, "vinho é a bebida obtida pela fermentação alcoólica do mosto simples de uva sã, fresca e madura".

A lei e o verbete nos dizem que vinho é apenas suco de uva fermentado, mas infelizmente isso não é verdade. Além da uva, são centenas os aditivos sintéticos permitidos na agricultura (os conhecidos agroquímicos) e na vinificação, com as técnicas e os inúmeros insumos enológicos (equivalente aos aditivos alimentares) utilizados pela indústria do vinho, a fim de alcançar produtividade e um gosto padronizado para agradar ao mercado.

O tal "suco de uva fermentado" é, pois, o que hoje denominamos "vinho natural", embora o termo seja contestado até mesmo pelos próprios produtores ligados ao movimento.

A distância entre o que é ou deveria ser o vinho no nosso imaginário e a verdade nas prateleiras provém em boa parte do fato de que, ao contrário da indústria alimentícia, a indústria do vinho não é obrigada a mencionar todos os aditivos no rótulo.

Da mesma forma que a alimentação e nossos modos de vida, as bebidas alcoólicas, incluindo o vinho, sofreram grandes mudanças depois da segunda metade do século 20 com a crescente industrialização dos processos, deixando de ser um bem cultural e gastronômico para se transformar num produto industrial como qualquer outro, sujeito às leis de mercado, demandas, adequação aos padrões de gosto internacionais, propaganda e lucros.

Analogamente, o vinho que conhecemos hoje está mais próximo do suco de laranja de caixinha do que da laranja em si.

Na década de 1980, indignados com o que a bebida havia se tornado no país durante a febre do Beaujolais Nouveau (na época um dos vinhos mais industrialmente manipulados do mercado), quatro jovens da região de Morgon, na França, iniciaram um movimento de resistência que se tornaria, mais tarde, o que conhecemos hoje como "movimento do vinho natural".

Eles basicamente defendiam a agricultura orgânica e a não utilização de insumos enológicos na vinificação, fundamentados em ideais de preservação ambiental, autenticidade do território e preservação das variedades locais em detrimento dos clones internacionais, além de independência do sistema agrícola industrial e químico, que forçava os vinhateiros a contrair dívidas para pagar os insumos do plantio e da vinificação. Isso sem mencionar a luta de agricultores familiares e artesanais contra a força desmedida das grandes empresas e dos interesses econômicos.

Não precisamos ir tão longe no mapa ou no tempo para nos dar conta de que aconteceu (e acontece) exatamente o mesmo com uma série de agricultores mundo afora, sejam eles de videiras ou não.

Portanto, o movimento de vinho natural nunca foi apenas sobre vinho, mas, sim, sobre resistência agrícola, ambiental, social, cultural e econômica.

_{TENDÊNCIAS / DEBATES
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