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Doria converte residência em gabinete, mas preserva suíte máster de palácio

Já que não vive no Bandeirantes, governador transformou cômodos em espaços de trabalho; reforma é investigada por Promotoria

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São Paulo

Nos armários simples de portas brancas, dezenas de lençóis e toalhas claros estão dobrados e guardados sem serventia. O roupeiro fica num corredor de piso de taco e paredes brancas, que leva a uma das poucas seções preservadas pelo governador João Doria (PSDB) na reforma que promoveu na área residencial do Palácio dos Bandeirantes —a suíte máster.

Embora não tenha se mudado para a sede do Governo de São Paulo, ao preferir continuar em sua mansão de 3.304 m² no Jardim Europa, uma das dez maiores da cidade, Doria estendeu à ala residencial o piso escuro de vinil, as paredes cinzas e os móveis luxuosos que marcam as mudanças empreendidas por ele em outros corredores e salões do palácio.

O projeto da designer Jóia Bergamo, que o governo trata como ajuda informal da arquiteta amiga de Doria, mudou a cara não só dos salões usados para eventos e reuniões, mas também de cômodos da área privada.

Uma das suítes, por exemplo, ganhou criados e calçadeira pretos, combinando com almofadas e abajures da mesma cor. Uma poltrona sofisticada e quadros com fotos completam o ambiente de luz e sombra. 

Já a suíte máster, no estilo deixado pelos ex-governadores Geraldo Alckmin (PSDB) e Márcio França (PSB), é bem menos moderna: piso de taco, paredes brancas, calçadeira creme, criados e cômoda antigos. 

Adornam o cômodo apenas pequenos quadros com gravuras de flores e um lustre. A suíte tem dois closets e dois banheiros, um para o homem e outro para a mulher, que tampouco foram reformados. 

Doria, que foi proprietário da marca Casa Cor e conhece o ramo, conseguiu angariar R$ 372 mil em doações de sofás, mesas, vasos, poltronas e até lixeiras de seis grifes de decoração.

A reforma já consumiu R$ 1,16 milhão do Orçamento e segue em andamento. O Ministério Público investiga se as modificações causaram dano ao patrimônio público, e o Tribunal de Contas do Estado pediu esclarecimentos.

Fotos dos salões dos Pratos e dos Despachos, na área comum do palácio, levantaram questionamentos a respeito da tinta preta aplicada sobre o teto, portas, piso e até sobre uma mesa de madeira. 

O governo afirma que as mudanças não atingiram nenhum móvel com valor histórico ou artístico e que a reforma visa proteger o acervo do palácio. 

Na área residencial, a principal alteração foi a transformação de parte dela em ambiente de trabalho, com a instalação de salas de reunião e do próprio gabinete do governador. Funcionários do palácio e membros do governo podem circular por cômodos antes dedicados a coquetéis e recepções íntimas.

Um amplo corredor inaugura a região restrita do palácio, agora convertida em espaço comum. O ambiente segue a paleta do projeto de Jóia Bergamo: piso de vinil escuro, portas de madeira pintadas de preto fosco e paredes cinzas.

Na decoração, imagens em preto e branco do fotógrafo Valdir Cruz, que retratam cachoeiras e estavam expostas ao público em uma mostra no Bandeirantes.

Duas esculturas da primeira-dama, Bia Doria, feitas em mármore branco, compõem o local. A artista plástica não é a única a enfeitar corredores da ala residencial: Tarsila do Amaral e Di Cavalcanti também estão presentes.

Os itens fazem parte do Acervo Artístico-Cultural dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo, com cerca de 3.500 peças de mobiliário, louçaria, prataria, tapeçaria e obras de arte.

O corredor dá acesso a uma antessala, decorada nos moldes vistos em outros cômodos: tapete claro, sofás e poltronas de cores neutras, livros e orquídeas sobre uma mesa de centro. A sala tem ainda uma estante de quatro prateleiras com prêmios, homenagens e capas de jornais e revistas dedicados a Doria.

No hall à esquerda, secretárias do governador trabalham em frente a outra estante, que traz em meio aos livros um porta-retratos de Doria com a mulher e os três filhos onde se lê “Amo minha família!”. 

O hall foi dividido com paredes drywall para criar duas salas de reuniões que comportam até oito pessoas. Pelo hall também se chega a uma ex-sala de jantar remodelada em tons de cinza. A mesa comprida de dez lugares agora é usada para reuniões.

Uma enorme porta de correr leva ao gabinete do governador. O novo banheiro do gabinete tem lixeira, porta-sabão, porta-escovas, toalheiro e outros itens da “boutique de banhos” Vallvé. A marca doou 24 objetos no valor total de R$ 14.631,54.

Toda essa área formada pelo corredor, antessala, hall, sala de jantar e gabinete era exclusivamente residencial e, sob Doria, deixou de abrigar recepções privadas e se abriu à circulação geral daqueles que despacham com o governador.

Até a gestão passada, o gabinete do governador ficava em frente a área residencial —poucos passos separavam o trabalho de casa. O antigo gabinete é ocupado hoje pelo vice-governador, Rodrigo Garcia (DEM).

Alckmin, que governou o estado pela última vez de 2011 a 2018, morou na residência dos Bandeirantes, mas era avesso a reformas. As suítes foram distribuídas entre seus filhos —uma delas era dedicada aos netos, uma espécie de quarto de brinquedos.

José Serra (PSDB), que governou de 2007 a 2010, transformou uma das suítes em academia e reformou o jardim de inverno. Depois disso, com Alckmin, a equipe de manutenção do palácio só teve autorização para o essencial: troca de fiação, tubulação e instalação de corrimão e extintores para adequação de regras dos bombeiros.

Nada de pintar parede, trocar piso ou fazer mudanças estéticas. Uma foto da sala de TV antes da reforma mostra o piso de taco gasto e um tapete bege descascado. Sofás também eram cor de creme, paredes e cortinas brancas, um rack simples, um abajur e dois quadrinhos pequenos uma sala sem a pompa que se vê agora.

Na sala reformada, novamente o combo piso de vinil, tons de cinza, móveis neutros, mesa de centro, livros, esculturas, orquídeas e as fotos de Valdir Cruz. Um dos livros no rack estampa “Joia Bergamo” na lombada —há outro semelhante na estante da sala de estar, que fica logo ao lado e segue o padrão de decoração.

Atrás das duas salas há uma mesa de jantar para 12 pessoas e outras duas menores e circulares. Almoços e jantares na área residencial do palácio com convidados diversos (políticos, empresários ou secretários) são comuns na agenda de Doria.

 

Para atender o governador, a equipe que trabalha na área residencial se manteve: garçons, copeiras e cozinheiras. Apesar de não dormir no palácio, Doria usa a ala íntima para reuniões e refeições, de forma que não houve economia com dispensa de funcionários.

A Folha também teve acesso à área de serviço e à cozinha, onde eram preparados salgadinhos aperitivos. Esses cômodos e os banheiros (amplos, com banheira e bidê) não foram modificados pela reforma de Doria. 

A assessoria do palácio não divulga a área total da residência, que ocupa metade do segundo andar do Bandeirantes. O palácio tem 116.354,83 m² de terreno e 32.294,35 m² de área construída.

A reforma avança aos poucos pelos corredores e salões, mas ainda há sinais de degradação, sobretudo no carpete do primeiro andar. Sob o olhar dos ex-governadores pintados em quadros na Galeria dos Governadores, o piso está manchado, descolado e rasgado.

Nos bastidores, funcionários e especialistas se dividem entre elogiar ou difamar as mudanças. Para uns, Doria avançou o sinal ao aproveitar a necessidade de manutenção para impor um novo estilo a seu gosto. Outros veem necessidade de ter uma sede de governo apresentável às autoridades que o principal estado do país recebe.

Colaboraram Jasmin Endo Tran, Luciano Veronezi e Vinicius Martins

CUSTO DA REFORMA ATÉ AGORA: R$ 1,16 MILHÃO

  • R$ 415 mil em pintura
  • R$ 150 mil em pisos 
  • R$ 46 mil em drywall

SEIS MARCAS DOARAM R$ 372 MIL EM ITENS DE DECORAÇÃO

  • R$ 1.273 em um vaso
  • R$ 2.157 em um tapete
  • R$ 616 em uma lixeira
  • R$ 19 mil em um sofá
  • R$ 21,5 mil em uma poltrona
  • R$ 5,8 mil em uma mesa de centro

HISTÓRIA DAS SEDES DE GOVERNO

1912 - Governo de SP compra o Palácio dos Campos Elíseos para usá-lo como residência e sede administrativa. Foi construído em 1899 para um rico cafeicultor e hoje é cedido ao Sebrae

1964 - Sede do governo passa para o Palácio dos Bandeirantes. O prédio começou a ser construído em 1955 para abrigar a Universidade Fundação Conde Francisco Matarazzo, mas a obra não foi terminada por problemas financeiros. O palácio foi então desapropriado pelo estado. 

TAMBÉM ABDICARAM DO PALÁCIO

Além de Doria, Paulo Maluf (1979) e Alberto Goldman (2010) preferiram não morar no Bandeirantes

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