Pastores da Igreja Universal movem dezenas de ações contra escritor por manifestação no Twitter
João Paulo Cuenca diz que instituição coordena a apresentação dos processos; Universal nega e afirma que pastores podem iniciar causas individuais contra preconceito religioso
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Dezenas de pastores da Igreja Universal do Reino de Deus apresentaram à Justiça ações de indenização contra o escritor João Paulo Cuenca em todo o país, após ele ter publicado em junho no Twitter que o “brasileiro só será livre quando o último Bolsonaro for enforcado nas tripas do último pastor da Igreja Universal”, parafraseando texto de Jean Meslier, autor do século 18.
Meslier escreveu que “o homem só será livre quando o último rei for enforcado nas tripas do último padre”.
Segundo a defesa de Cuenca, já são mais de 80 ações apresentadas a juizados especiais cíveis em 19 estados, com pedidos de ressarcimento por dano moral em valores entre R$ 10 mil e R$ 20 mil.
O escritor afirma que “as ações são muito parecidas, são todos pastores da igreja, isso é uma ação coordenada, isso é litigância de má-fé. Essas pessoas estão usando o sistema jurídico do país para me constranger. Essa ação coordenada é um abuso do uso da Justiça”.
A Universal nega que esteja coordenando a apresentação das ações e afirma que seus pastores podem adotar medidas individuais em relação à postagem, uma vez que as leis brasileiras não permitem a promoção do preconceito religioso.
Alguns dos documentos dos processos, aos quais a Folha teve acesso, não exibem textos idênticos, mas mostram padrões, como o fato de os próprios pastores assinarem as petições e pedirem a concessão de gratuidade da Justiça nos processos.
Procurada pela reportagem, a Universal informou que a Unicom é o departamento da instituição que responde pela assessoria de imprensa da igreja, e há orientação aos pastores de que remetam ao setor todos os pedidos de veículos de mídia.
“A informação dada pelo pastor, de que o jornalista deveria procurar a Unicom, apenas cumpriu o protocolo da Universal: somente este departamento pode atender a imprensa”, segundo nota da Unicom.
Além das causas individuais cíveis, há pedidos de investigação e abertura de procedimentos criminais relativos ao episódio. Como informado pela coluna Painel em agosto, em um deles a Procuradoria no Distrito Federal arquivou o requerimento de abertura de investigação.
“Trata-se do exercício da liberdade de expressão, que não pode ser tolhido por pessoas ignorantes que não têm capacidade de compreender uma hipérbole. A mensagem foi realizada no sentido figurado”, escreveu o procurador do caso, Frederico Paiva.
As causas foram iniciadas em pequenos municípios, o que levou a defesa e jornalistas a se deslocarem para várias regiões do país. Nenhum dos processos foi julgado procedente.
Cuenca, que foi colunista da Folha de 2013 a 2016, diz que a postagem no Twitter é uma sátira de uma metáfora que já foi utilizada por inúmeros autores, e nunca teve intenção de incentivar qualquer tipo de violência.
Após a publicação do post no Twitter em junho, o veículo de comunicação alemão Deutsche Welle deixou de publicar coluna quinzenal de Cuenca, sob o argumento de que a mensagem contrariou os valores do órgão de imprensa.
“A Deutsche Welle repudia, naturalmente, qualquer tipo de discurso de ódio e incitação à violência. O direito universal à liberdade de imprensa e de expressão continua sendo defendido, evidentemente, mas ele não se aplica no caso de tais declarações”, publicou.
Denise Dourado Dora, diretora-executiva da Artigo 19, entidade internacional de defesa dos direitos humanos, diz que os processos configuram ataque à liberdade de manifestação e de imprensa.
“A Artigo 19 acompanha com preocupação o caso do jornalista J.P. Cuenca, que tem sido ameaçado em redes sociais, além de ser vítima de uma estratégia de uso do Poder Judiciário como meio de silenciamento”, diz Denise.
Para a diretora da ONG, “a reação desmedida a seu comentário representa evidente ataque à liberdade de opinião e ao exercício profissional de comunicadores, uma prática reiterada por agentes públicos hoje no Brasil que compromete a democracia”.
A assessoria de comunicação da Universal negou a acusação de Cuenca de que a instituição esteja coordenando a apresentação das ações judiciais contra o escritor.
“Podemos afirmar, categoricamente, que não há advogado da Universal atuando nesses supostos processos, em nome da Igreja ou não”, de acordo com a nota.
Segundo a instituição religiosa, “observadas as normas de conduta que são exigidas de quem exerce o ministério religioso, os oficiais da Igreja Universal do Reino de Deus têm autonomia para tomar suas próprias decisões quanto à sua vida privada”.
“A liberdade de expressão não é um direito absoluto. No Brasil, não existe permissão para que uma 'sátira' ou 'metáfora' promova ideias desprezíveis como, por exemplo, o nazismo, o racismo ou o preconceito de qualquer tipo, inclusive o preconceito religioso”, acrescenta a nota da Universal.
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