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Descrição de chapéu 3º Seminário Economia da Arte

Saraus e bibliotecas comunitárias contornam desinteresse por leitura

Para Sérgio Vaz, é preciso 'dessacralizar a literatura' para alcançar jovens

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São Paulo

Existem inúmeros entraves ao desenvolvimento dos hábitos de leitura no país, mas isso não significa que a população brasileira não se interesse por livros e literatura.

O cenário foi discutido na 3ª edição do seminário Economia da Arte, realizado pela Folha e pelo Itaú Cultural na manhã de quarta-feira (25).

“Nosso trabalho, basicamente, é mostrar para as pessoas que elas gostam de ler, só não sabem que gostam”, disse o poeta Sérgio Vaz, agitador cultural e idealizador do sarau da Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia).

Eduardo Saron (esq.), diretor do Itaú Cultural, Sérgio Vaz, poeta e agitador cultural, Zoara Failla, gerente de projetos do Instituto Pró-Livro, e Geraldo Moreira Prado, fundador da Biblioteca Comunitária do Paiaiá (BA), em debate no Itaú Cultural - Reinaldo Canato/Folhapress

O evento, que reúne de 150 a 200 pessoas todas as terças-feiras no bar do Zé Batidão, boteco na periferia sul de São Paulo, comemora 18 anos de existência em outubro.

Para Vaz, sua experiência em encontros de poesia e oficinas em escolas públicas mostra que é preciso dessacralizar a literatura para alcançar quem não tem contato com livros.

“Quando começamos, não tínhamos ideia do alcance. As pessoas foram chegando com poemas que estavam na gaveta. O tesouro estava lá [na periferia]. Foi preciso descermos do pedestal, porque, às vezes, a gente que lê é muito arrogante. As pessoas não leem porque a literatura não chegou com humildade. Hoje, a literatura não pode ser mais vista como privilégio.”

Vaz falou da dificuldade em reconhecer arte. “Na Fundação Casa, perguntei aos garotos quem gostava de poesia. A resposta foi: ‘Ninguém gosta desses bagulhos aqui’. Comecei a recitar uma letra do Racionais MC’s, sem música. Aos poucos, perceberam o que era e eu disse que aquilo era poesia.”

O historiador Geraldo Moreira Prado narrou outra história de aproximação de leitores e livros. Ele é o criador da Biblioteca Comunitária do Paiaiá, na zona rural de Nova Soure, a 240 quilômetros de Salvador, que tem 30% da população analfabeta.

A ideia de fundar uma biblioteca no seu povoado natal remonta ao ano 2000, motivada por um edital federal que nunca se concretizou

Sem investimento público, Prado decidiu alugar uma casa por conta própria na vila de cerca de 600 habitantes do semiárido baiano —ele já morava no Rio, onde tinha se tornado professor universitário. Mandou para lá sua biblioteca particular e alguns livros doados, num total de 12.600 obras.

A biblioteca, uma das poucas na região, atraiu estudantes de municípios vizinhos e cresceu. Hoje tem um acervo de 110 mil exemplares e sedia uma festa literária —neste ano, foram 4.800 visitantes.

“As escolas não tinham bibliotecas. Aliás, não têm até hoje. Mesmo na época em que houve políticas para criar bibliotecas escolares, os livros chegavam e ficavam amontoados nos corredores. Não eram disponibilizados para os alunos”, disse.

A biblioteca em Paiaiá, porém, despertou pouco interesse entre os professores da comunidade. “Tem professor que mora ao lado da biblioteca e nunca pisou lá para pegar um livro, nem de autoajuda.”

A observação de Geraldo vai ao encontro do constatado nas pesquisas sobre hábitos de leitura de professores do país, apresentados por Zoara Failla, gerente de projetos do Instituto Pró-Livro, que realiza o mais amplo levantamento sobre o tema no país.

Para a socióloga, o perfil apontado na pesquisa Retratos da Leitura “não é de um professor leitor, que tem repertório de leitura que possibilite de fato despertar interesse em seus estudantes”.

“Cultivar o prazer pela leitura depende muito das primeiras leituras que foram oferecidas. Infelizmente, o professor sem repertório vai ter muita dificuldade para escolher esses livros e também para desenvolver práticas leitoras mobilizadoras.”

Antes da escola e dos professores, a primeira janela de sensibilização à leitura é a mãe, explica Failla. “O problema é que mais de 70% das famílias não têm perfil leitor. A criança que sai desse ambiente corre o risco de ir para uma escola e encontrar um professor que também não é leitor.”

Soma-se a esses entraves a ausência de políticas efetivas para a leitura no país. Na avaliação de José Castilho, professor aposentado da Unesp e consultor, “não temos nada do ponto de vista de livro, leitura, literatura e bibliotecas na Secretaria Especial da Cultura” da gestão Bolsonaro.

Castilho, que foi secretário-executivo do PNLL (Plano Nacional de Livro e Leitura) nos governos Lula e Dilma Rousseff (PT), afirma que a área de leitura foi a única que sofreu rebaixamento na gestão Temer (PMDB), quando o Ministério da Cultura foi extinto e recriado em seguida.

“A diretoria do livro, leitura, literatura e bibliotecas voltou como departamento completamente desabilitado, desprovido, como segue até hoje.”

Nesse contexto, Sérgio Vaz ressaltou que o movimento literário das periferias “não está precisando do governo para nada”. “Se o governo não atrapalhar, já está bom. São conquistas do povo para o povo. A simplicidade das coisas é que está dando resultado.”

 

Indicações em redes sociais alcançam 13% de leitores de feira

Pesquisa do Ibope Inteligência na Bienal do Livro do Rio indica que 13% do público recebeu indicações do último livro que leu no Youtube, Instagram ou Facebook.

A recomendação veio de amigos em 20% dos entrevistados e 14% de professores.

A pesquisa, realizada sob encomenda do Instituto Pró-Livro e do Itaú Cultural, entrevistou 1.000 participantes da feira, que aconteceu entre 30 de agosto e 8 de setembro deste ano.

Resultados preliminares foram apresentados por Zoara Failla. “O mundo digital nos afasta da leitura e rouba nosso tempo, mas também pode trazer livros para perto”, disse.

No evento, 74% do público declarou gostar muito de ler —o índice é de 30% no país.

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