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Cartagena, a depender das opções do viajante, exige espírito aberto a perrengues

Destino alia turismo histórico e cultural ao mar do Caribe, com bons preços; é preciso pesquisar voos, hospedagens e passeios

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Cartagena, na Colômbia, virou um destino pop para os brasileiros nos últimos anos, uma viagem que alia turismo histórico e cultural ao mar do Caribe, com preços dos mais atraentes. Mas, é bom que seja dito, é uma viagem que, a depender das opções que você fizer, exigirá um espírito aberto para encarar perrengues como experiência.

Para viajantes com essa capacidade, maravilha, é só comprar a passagem mais barata, reservar uma hospedagem sem grandes exigências e ser feliz. Mas, se seu espírito aventureiro tem limite, vem comigo, como dizem blogueiros em vídeos de turismo.

Praia em Baru, nos arredores de Cartagena - Rafael Balago/Folhapress

Por falar em blogueiros de turismo, os que eu consultei sobre Cartagena não tratavam de perrengues ou os mencionavam en passant. Eu e minha família escolhemos, então, essa viagem para as férias de julho sem maiores planejamentos.

A Avianca havia anunciado, no início de 2023, o lançamento de um voo direto de São Paulo a Cartagena. Em seis horas estaríamos lá e, sem pesquisar o preço de outras companhias, porque todas tinham voos com conexão em Bogotá ou no Panamá, compramos em fevereiro as passagens. O primeiro perrengue foi descobrir, a cinco dias do embarque, que a Avianca havia cancelado em maio os voos diretos.

Mas o perrengue maior nessa temática dos voos ainda estava por vir, e desse você precisa estar avisado se decidir ir a Cartagena pela Avianca. Nós só descobrimos ao nos "acomodar" (entre aspas mesmo) nas poltronas que todas as da classe econômica não reclinam. Zero. Não existe nem o botãozinho. Oito horas de voo noturno assim.

Chegamos destruídos ao nosso Airbnb, e aqui entra o capítulo da hospedagem. Reservamos uma casa que estava entre as mais bem avaliadas da cidade no aplicativo. Classificação merecida. A casa é linda, limpeza impecável e mimos como frutas frescas, cerveja na geladeira e bilhete de boas-vindas escrito à mão pela anfitriã.

Rua decorada com guarda-sóis coloridos em Getsemani, bairro de Cartagena - Rafael Balago/Folhapress

O perrengue, nesse caso, foi a localização, Getsemaní. É um bairro vizinho à cidade amuralhada, principal ponto turístico de Cartagena. Considerada Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade pela Unesco, a cidade amuralhada consiste em cerca de 50 quarteirões com construções do século 16 e 17 cercados por 11 quilômetros de uma muralha erguida em 1.586 para proteger dos constantes ataques piratas aquela localidade onde os espanhóis guardavam ouro e outras riquezas.

Com uma altura de cerca de seis metros em média, a muralha chega a ter até quatro metros de espessura em determinados pontos, permitindo que se caminhe sobre ela, observando, de um lado, o mar, e do outro, aquele universo medieval protegido outrora dos corsários e de outros invasores.

Voltando a Getsemaní, essa era uma região pobre do centro da cidade antes do início dessa fase mais turística de Cartagena. O bairro foi sendo transformado nos últimos anos com o objetivo de aproveitar a proximidade com a cidade amuralhada. As casinhas antigas, daquelas de porta e janela na calçada, foram pintadas com cores vivas e transformadas em bares, restaurantes e hospedagens.

Puerta del Reloj, uma das entradas do centro histórico de Cartagena - Rafael Balago/Folhapress

Artistas encheram os muros de grafites, e varais cruzam as ruas com bandeirinhas, fitas e guarda-chuvas coloridos pendurados. Galerias de arte se instalaram no local, e telas coloridas são pintadas nas calçadas ao som de música colombiana.

Música colombiana, vamos a ela. Em Getsemaní, a música é como o ar que se respira. Há um sentido poético nisso, certamente, algo rico da experiência em Cartagena. Mas –e essa matéria se propõe a apontar o "mas"– tudo isso é legal desde que o seu Airbnb não seja vizinho de uma galeria de arte com caixa de som na fachada que liga música alta às 9h da manhã e só desliga às 22h. Depois tem as caixas das baladas, que terminam lá pelas 5h. Entre 5h e 9h, você pode dormir tranquilamente. É possível que existam trechos menos agitados em Getsemaní, e certamente o número de baladas é menor fora das férias. Mas escolher esse bairro é estar aberto a esse clima/risco. Se você é muito baladeiro, esse é o seu lugar.

Aguentei firme e forte a salsa e o reggaeton por dois dias. A anfitriã do Airbnb me disse que o barulho estava acima da média, chegou a chamar a polícia e, compreensiva, me deu um reembolso de parte das outras diárias. Reservei outro Airbnb, desta vez longe da muvuca, em Bocagrande. Esse é um bairro também vizinho à cidade amuralhada, na direção oposta a Getsemaní.

Bocagrande é a área nova da cidade, dos ricos, com prédios luxuosos sem o charme do centro histórico, mas com estrutura de shoppings, bons mercados e noites silenciosas. Há hotéis e hospedagens de frente para o mar. O Airbnb em que ficamos tinha uma vista deslumbrante (além de uma infestação de baratas; puro azar, não entra na conta dos perrengues). A depender da localização em Bocagrande, é possível chegar à cidade amuralhada com uma caminhada de 10, 15 minutos.

Se for mais longe, os táxis são opções fáceis e baratas. Mas com emoção. Existe algo importante que você precisa saber do respeito às leis de trânsito em Cartagena: no hay. Táxis amarelos mostram as consequências disso, boa parte deles com a lataria avariada. Os brancos, que também operam como Uber, nos pareceram mais tranquilos. Mas, em todos, a música colombiana estará ligada em alto e bom som.

Em uma corrida conosco um taxista passou o tempo todo se declarando para a namorada ("mi amor, mi vida") e parando o carro em frente às lojas para fotografar os anúncios de promoção e encaminhar para a amada. Esse foi um perrengue divertido.

Playa Blanca, a mais próxima de Cartagena; local tem barracas em que não há esgoto encanado, fica lotado aos finais de semana e está sempre repleto de vendedores ambulantes que disputam os turistas com bastante insistência - Fernando Gentile

De volta a Bocagrande, um esclarecimento. Esse mar não é aquele caribenho de um azul deslumbrante, ao contrário, a tonalidade é escura, assim como a da areia, que também é dura. O mar típico do Caribe está a cerca de uma hora de carro ou 40 minutos de barco. A praia mais próxima e, portanto, a mais visitada é a Playa Blanca –altíssimo nível de perrengue, especialmente aos finais de semana, quando fica lotada.

Em dias de semana, por outro lado, os poucos turistas são ainda mais disputados e assediados por vendedores, garçons das barracas e barqueiros com ofertas de passeios. Mulheres oferecem massagens e já chegam apertando seus ombros, seus pés. Você passará o dia ouvindo "amigo, amigo" e respondendo "no, gracias, no, gracias". Não há esgoto encanado por ali, vimos muita sujeira nos fundos das barracas e cocô de cachorro pela areia. Para quem quiser sossego e puder investir mais, há resorts paradisíacos por ali, com praias particulares, que oferecem day-use com reserva antecipada. Outra opção são os passeios de barcos pelas ilhas da região, da mesma forma nesse caso, com versões mais populares e mais exclusivas.

Seja como for, um mergulho nesse mar colombiano –e aqui, de novo, no sentido literal e metafórico– vale a pena. Com a cidade amuralhada e outras construções coloniais que se tornaram pontos turísticos, como o Palácio da Inquisição, o Castillo de San Felipe e os lugares que inspiraram romances de Gabriel García Márquez, mas também com a salsa no último volume, os taxistas apaixonados em carros avariados, os ambulantes desesperados e um cenário sofrido de desigualdade social, desorganizado mas colorido e fascinante, Cartagena é a nossa história, dos latino-americanos, na veia.

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