Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Velhos hotéis são as melhores ocupações para os sem-teto

É o caso do Santos Dumont, na rua Mauá, e do Colúmbia e do Central, na São João

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São Paulo

Algumas das melhores, mais bem organizadas e seguras ocupações do movimento dos sem-teto no centro de São Paulo são antigos hotéis. E isso não é por acaso: um dos motivos principais é que as habitações são equipadas com banheiro, o que traz grande conforto e privacidade para os moradores e elimina conflitos. Nesses locais cada família tem seu apartamento com janela e vive com mais intimidade e autonomia. Normalmente, as condições de infraestrutura também são melhores nos velhos hotéis do que em outros tipos de edifícios e exigem menos intervenções dos ocupantes.

A lista de hotéis que viraram ocupações no centro é extensa. É o caso do Santos Dumont, na rua Mauá, do Columbia, na avenida São João, 588, ou do Central, também na São João, 288. Outro velho hotel de luxo ocupado é o Grande Hotel Bristol, na rua do Triunfo, Existem também os casos exemplares dos antigos hotéis Lord Palace, na rua Helvétia, em Santa Cecília, e Cambridge, na avenida Nove de Julho, que foram ocupações no passado mas passaram por reformas e se tornaram habitações populares.

Imagem do pátio interno da ocupação Mauá
Pátio interno da ocupação Mauá, antigo hotel Santos Dumont - Vicente Vilardaga

Para Benedito Barbosa, advogado da União dos Movimentos de Moradia de São Paulo (UMM) e coordenador da Central de Movimentos Populares, os hotéis costumam ser boas ocupações porque existe facilidade para fazer a divisão dos espaços. "Quando você ocupa um prédio qualquer você tem que fazer divisões e colocar tapumes, o que fica mais perigoso e aumenta o risco de incêndio", diz. "Já quando a ocupação é de um hotel você só faz pequenas melhorias, pinturas, limpezas e consegue acomodar uma família."

Segundo Barbosa, os hotéis garantem uma maior facilidade para o uso do espaço pelas famílias e a parte interna da ocupação tem mais qualidade. "Numa ocupação em que está todo mundo aglomerado ou mesmo quando se utilizam tapumes a privacidade é menor", afirma. "Além disso, os hotéis dão uma melhor condição para a requalificação do espaço, para a realização de um futuro retrofit." O retrofit é um processo de restauração de prédios antigos em que se mantém as características arquitetônicas originais e se modernizam os ambientes internos e as infraestruturas hidráulica e elétrica, por exemplo, como foi feito no Lord e no Cambridge.

O arquiteto Nunes Lopes dos Reis, diretor financeiro da Peabiru, ONG que atua no campo do direito à moradia, acrescenta que, em geral, os prédios de hotéis têm estrutura de concreto armado e muita compartimentação interna em alvenarias, o que reduz consideravelmente os riscos de propagação do fogo e de incêndios de grandes proporções.

Fachada de prédio na avenida São João
Fachada da ocupação São João, 288, antigo hotel Central - Vicente Vilardaga

O coordenador estadual da União do Movimento de Moradia (UMM), Sidnei Pita, fez parte do grupo de trabalho de vistoria criado depois da tragédia do Wilton Paes de Almeida, em 2018, e ajudou a analisar as 52 ocupações que existiam no centro. Verificou que aquelas que ficavam em hotéis apresentavam melhores condições de segurança. "Pude confirmar que as ocupações em hotéis eram de baixo risco, precisavam de pequenas melhorias, mas nada fora do normal", lembra. Na ocupação da avenida São João, 288, por exemplo, viu que as escadas eram bem seguras, feitas com madeira de qualidade e os corrimãos estavam em perfeito estado. Procurada pelo blog, a Secretaria da Habitação não se pronunciou sobre o assunto.

Houve um tempo em que os melhores hotéis da cidade ficavam no Centro. Na primeira metade do século 20, com a economia cafeeira ainda pujante e o início da industrialização, o estímulo para o negócio hoteleiro definir seus endereços vinha da estação da Luz por onde passavam todos os visitantes da capital.

A região em torno da avenida São João, onde há pelo menos quatro ocupações em velhos hotéis, era um próspero polo de hospedagens. O ciclo de riqueza, porém, foi se extinguindo aos poucos e na metade do século passado já dava sinais de fadiga. Os hotéis perderam hóspedes, acabaram falindo e se transformaram em prédios abandonados. Nos anos 90, os sem-teto descobriram o filão hoteleiro e as ocupações se tornaram inevitáveis, permanecendo até hoje.

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