Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

Homens brancos reinam absolutos nos monumentos de São Paulo

Mulheres, negros e indígenas representam cerca de 10% das estátuas da cidade

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São Paulo

O símbolo mais gritante do poderio do homem branco nas homenagens que São Paulo presta aos seus cidadãos ilustres do passado é a estátua de Borba Gato, na Chácara Santo Antônio, na Zona Sul.

Com seus 13 metros de altura, mostra claramente quem manda na civilização paulista e qual é o tipo de personagem do passado que tende a ser exaltado: o opressor, o conservador e o escravista. Alvo de um ataque incendiário em 2021, o monumento também alerta para desvios e contradições que envolvem as figuras históricas representadas nas ruas da cidade.

Com base em dados do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) de 2020 havia 367 monumentos na capital, dos quais 200 homenageiam pessoas reais. Desse total, 173 são homens brancos, 18 são mulheres brancas, sendo doze donzelas nuas anônimas, e apenas cinco homenageavam pessoas negras, quatro homens e uma mulher.

De indígenas, há quatro estátuas, todas de homens, incluindo a do Índio Caçador, na avenida Vieira de Carvalho.

Estátua de Borba Gato
Estátua de bandeirante Borba Gato, que foi incendiada em 2021 - Vicente Vilardaga

Além de serem poucos, normalmente esses monumentos são pequenos, de tamanho humano e não existe nenhum que faça sombra à grandiosidade de um Borba Gato.

Em 2021, o município decidiu homenagear cinco personalidades negras com estátuas espalhadas discretamente por vários bairros.

Na lista entram o músico Itamar Assumpção, na Penha, a escritora Carolina de Jesus, em Parelheiros, o sambista Geraldo Filme, na Barra Funda, a carnavalesca Deolinda Madre, na Liberdade e o atleta Adhemar Ferreira da Silva, em Santana.

Antes dessas pessoas negras, já existia, por exemplo, um busto do abolicionista Luiz Gama, no Largo do Arouche, uma estátua do guerreiro Zumbi dos Palmares, na Praça Antônio Prado, e a Mãe Preta no Largo do Paissandu. Essa última é obra de Júlio Guerra, mesmo autor da estátua de Borba Gato.

Estátua de Carolina Maria de Jesus
Estátua de Carolina Maria de Jesus, em Parelheiros: homenagem a personalidades negras - Vicente Vilardaga

Considerando figuras míticas, são 45 estátuas de mulheres, mas só oito, incluindo as duas personalidades negras homenageadas recentemente, são de personagens reais.

A pequena lista de mulheres reais inclui a tenista Maria Esther Bueno, a escritora Cora Coralina, a médica Carlota Pereira de Queirós, primeira deputada federal do Brasil, a educadora Carolina Ribeiro, que foi secretária de Educação do estado, e a pianista Antonietta Rudge. Há também uma homenagem a Luiza Mahin, mãe de Luiz Gama, na Freguesia do Ó.

Em compensação, há pelo menos 14 monumentos controversos na cidade que são alvo de contestação de movimentos sociais.

Além de Borba Gato, há o Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, que exalta os bandeirantes e é acusado de celebrar o genocídio indígena, a grandiosa estátua de Duque de Caxias montado num cavalo na Praça Princesa Isabel e a do bandeirante Anhanguera, na entrada do Parque Trianon, além de estátuas em homenagem a Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral.

Palestra do geografo e professor emerito da USP. Milton Santos no ano 2000 - Juca Varella / Folhapress

Existe uma nítida injustiça da curadoria histórica dos monumentos da cidade, que condena negros, mulheres e indígenas a uma quase invisibilidade e reafirma o esquecimento que aflige esses grupos.

As minorias são intencionalmente ignoradas em favor de medalhões brancos cuja trajetória merece uma revisão crítica.

Para tirar o atraso cultural, a Prefeitura realizou uma consulta pública em dezembro com o objetivo de escolher mais cinco personalidades negras para serem representadas em esculturas da cidade.

Os escolhidos foram a cantora Elza Soares, a filósofa Lélia Gonzalez, o geógrafo Milton Santos, a ialorixá Mãe Sylvia de Oxalá e Chaguinhas, cabo condenado à morte e cultuado na Capela dos Aflitos, na Liberdade. É um avanço, mas ainda é pouco.

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