Andanças na metrópole

As camadas de história encobertas em construções, ruínas e paisagens

Andanças na metrópole - Vicente Vilardaga
Vicente Vilardaga

King Kong invade a estação da Luz

Cinema ao ar livre mistura público de classe média com moradores de rua

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São Paulo

Estava pensando no que fazer sexta-feira à noite e comecei a analisar possibilidades. Depois de ler as mensagens no WhatsApp lembrei que iria acontecer uma projeção na rua, na estação da Luz, do filme "King Kong", a oitava maravilha do mundo, de 1933, dirigido por Merian Cooper e Ernest Schoedsack. Achei o programa perfeito. O filme começava às 19 horas e tive tempo para me preparar e pegar o metrô.

Cheguei na Luz no meio da multidão e tentava achar o local do cinema. Decidi seguir pela saída na rua Mauá e acertei o caminho. Perguntei para um guarda onde estava acontecendo a projeção e ele disse que não sabia, mas apontou para um grupo de pessoas que parecia estar à espera de um evento.

O cinema não ficava exatamente ao ar livre. Estava em um dos cantos da estação numa sala provisória com uma cobertura de placas de plástico e cem cadeiras. Tinha pipoqueiro, água e guaraná de graça. Mais da metade dos lugares estava ocupada.

Cena do filme "King Kong" (1933)
Cena de "King Kong", de 1933: os últimos momentos do macaco gigante no Empire State Building

Quem quiser assistir "King Kong" pode buscar no YouTube. O filme está disponível na íntegra. Mas vê-lo na rua se apresentava como uma experiência diferente, especialmente por causa da localização e da diversidade do público.

Primeiro tem a emoção que leva alguém à estação da Luz, de frente para o parque, durante a noite. Parece perigoso, mas o lugar estava protegido e seguro.

Depois tem a questão da inclusão. É um sistema que abre as portas para todos e serve para atrair pessoas vulneráveis para um ambiente que lhes é normalmente distante. Não é necessário pagar ingresso e moradores de rua da região dividem o espaço com o público de classe média.

O cinema ao ar livre em um lugar tido como inóspito traz uma reflexão sobre a metrópole, que pode ser mais amigável e inclusiva.

King Kong
Exibição de "King Kong" na estação: projeto Luz na Tela acontece na última quinta-feira do mês

King Kong é um anti-herói trágico. Vivia na selva, lutando contra monstros pré-históricos e curtindo sua rotina de macaco gigante e, de repente, vê seu mundo ruir diante da chegada da civilização. Um muro de 15 metros o separava dos aborígenes, que lhe entregavam seres humanos em sacrifício para aplacar sua fúria. Mas ele fica obcecado pela mulher loira que lhe foi oferecida e comete o erro fatal de ultrapassar esse muro e sair da natureza.

A partir daí é atingido por bombas anestésicas que o subjugam. É levado para Nova York e, logo em seguida, quando escapa das correntes do cativeiro, morre numa queda do topo do Empire State Building.

Estação da Luz
Vista do cinema na estação da Luz: público de classe média se mistura com moradores de rua

A exibição de "King Kong" faz parte do projeto Luz na Tela, organizado pelo Museu da Língua Portuguesa e pelo Museu Soberano, na rua do Triunfo, epicentro da produção cinematográfica da antiga Boca do Lixo, próxima da estação da Luz. Regularmente, na última quinta-feira do mês, é exibido um filme na estação. O primeiro foi "Luzes da Cidade", de Charlie Chaplin, em abril. O próximo, em agosto, vai ser "Deus e o Diabo na Terra do Sol", de Glauber Rocha, que completa 60 anos.

O Luz na Tela é um desdobramento do 1º Festival Cultura e Pop Rua – População em Situação de Rua e Direito à Cultura, realizado pelo Museu da Língua Portuguesa e pelo Sesc São Paulo, em agosto do ano passado. Foram oferecidas diversas atividades culturais, rodas de conversa e serviços aos moradores de rua.

Maurício do Valle em cena do filme "Deus e o Diabo na Terra do.Sol", que completa 60 anos em 2024

São eventos que tentam dar voz e algum prazer a uma população silenciada e imersa em um mundo soturno. Depois de "King Kong", algumas pessoas em situação de rua foram falar com os organizadores sobre o filme. Uma delas disse que achou a história triste por causa do terrível destino do macaco.

"Fazer cinema na rua é uma vocação histórica deste território, que foi um palco vibrante de produção cinematográfica, especialmente entre as décadas de 60 e 90", dizem Renata Forato e Marcelo Colaiácovo, sócios-fundadores do Museu Soberano, referindo-se à Boca do Lixo.

Com alguma frequência acontecem projeções de cinema ao ar livre. A última foi uma mostra, em abril, com 38 filmes de curta-metragem no Minhocão. Em março de 2023 foi realizado o Cine na Praça, no Parque do Povo, na zona Sul. O projeto Luz na Tela, porém, tem impacto social e um apelo especial.

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