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Café na Prensa - David Lucena
David Lucena

Pressionada, cafeicultura brasileira corre atrás de rastreabilidade

Nova lei da União Europeia e demandas da agenda ESG desencadeiam corrida por certificações socioambientais

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Belo Horizonte

Pressionado por normas internacionais e exigências do mercado, o setor de café brasileiro deu início a uma corrida por rastreabilidade –que ainda é um calcanhar de Aquiles no discurso ambiental das grandes empresas da indústria.

O assunto foi um dos principais temas discutidos na SIC (Semana Internacional do Café) deste ano, que ocorreu de 8 a 10 de novembro em Belo Horizonte. O mais importante evento do setor na América Latina costuma reverberar as principais tendências do mercado e apontar para onde a cafeicultura caminha.

A edição 2023 teve como principais temas a sustentabilidade e as indicações geográficas –estas que são, aliás, importantes aliadas no processo de rastreabilidade. Não apenas nas principais palestras, mas também nas rodas de conversas de executivos, os desafios para rastrear a cadeia produtiva ocuparam bastante espaço.

Grãos de café torrados sobre a mão de uma pessoa branca
Exibição de café torrado na SIC (Semana Internacional do Café) 2023, em Belo Horizonte - Wang Tiancong/Xinhua

Recentemente a União Europeia aprovou uma lei que, entre outras coisas, proíbe a importação de certos produtos –incluindo o café– provenientes de áreas desmatadas. A norma, que começa a ser aplicada em janeiro de 2025, exige evidências de que de fato não houve desmatamento naquela propriedade nos últimos anos.

Daí a importância do processo de rastreabilidade e certificação. Pois, sem essa comprovação, os produtores brasileiros não poderão exportar para seu maior parceiro comercial, o que tem causado grande preocupação no setor, segundo Sueme Mori, diretora de relações internacionais da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

"O mercado europeu é o principal destino do café brasileiro. No ano passado, 51,2% do café exportado teve como destino a União Europeia", diz Mori. Por isso, afirma, o setor cafeeiro deve ser o mais impactado pela norma.

"Do ponto de vista de representatividade, o café é o que mais nos preocupa. Porque, por exemplo, apesar de a soja ter exportado US$ 8,8 bilhões para a Europa no ano passado, isso foi 14,5% do que a gente exportou", diz.

Uma das principais empresas responsáveis por desenvolver tecnologia de rastreabilidade, a Safetrace diz que a procura pelos seus serviços disparou após a aprovação da lei europeia. Se antes eles tinham que prospectar muitos clientes, agora precisam concentrar seus esforços em atender a demanda dos interessados que os procuram.

Enquanto o setor de exportação corre para se adaptar integralmente às demandas de rastreabilidade, a indústria doméstica começa agora a fazer gestos modestos nesta direção.

A questão sempre foi um assunto delicado para o setor. As principais marcas de café compram sua matéria-prima de vários intermediários e normalmente não têm comprovações sobre o caminho pelo qual o café percorreu, razão pela qual não é possível aferir se ele veio de uma fazenda com cumprimento de normas ambientais e sociais adequadas.

Tanto é que as plantações de café estão entre os segmentos com mais casos de pessoas flagradas em situação de trabalho análogo à escravidão, segundo o Ministério do Trabalho e Emprego.

O cultivo de café é a quarta atividade econômica com mais empregadores na lista suja do trabalho escravo, atrás apenas da produção de carvão vegetal, da criação de bovinos para corte e de serviços domésticos.

Apenas agora, contudo, diante de exigências de parte da sociedade por uma economia mais sustentável e das demandas globais por normas mais rígidas na agenda ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança), as principais empresas do setor começam a fazer acenos no sentido de elevar a rastreabilidade do café que adquirem.

Contribui também para esse movimento o temor de escândalos como o que ocorreu em vinícolas do Sul do país, que tiveram empresas parceiras implicadas em um grande esquema de trabalho análogo à escravidão.

Diante desse cenário, a 3 Corações, líder do setor no Brasil, lançou durante a SIC o selo Coffee Verified, que é um programa de verificação para a aquisição de café. Por enquanto, o selo está presente apenas na linha especial recém-lançada "Rituais 85+".

A empresa disse, no entanto, esperar que, nos próximos anos, a origem de todos os grãos adquiridos seja completamente rastreada. Eles não deram prazo para alcançar 100% de rastreabilidade, mas o Café na Prensa apurou que o projeto tem sido tratado internamente como uma prioridade.

Outras iniciativas neste sentido também foram apresentadas na SIC por várias entidades e organizações. A Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), que há décadas confere um selo de pureza e qualidade aos cafés no mercado doméstico, firmou uma parceria com a BSCA (entidade que representa o setor de cafés especiais do Brasil) para o lançamento do selo na categoria Especial.

Além da questão sensorial, ou seja, a qualidade do sabor da bebida, também será exigida uma comprovação de rastreabilidade para obter a chancela de Especial.

Nos estandes das regiões produtoras espalhados pela SIC, o tema também aparecia com destaque frequente. A região vulcânica –polo cafeeiro situado entre o sul de Minas Gerais e o nordeste de São Paulo, em uma área com solo vulcânico–, por exemplo, destacava que nos pacotes dos seus cafés havia um QR Code para que o consumidor pudesse escanear e ver exatamente em qual fazenda o café é produzido.

As indicações geográficas (IG), outro tema do momento, também foram citadas como importantes aliadas no processo de certificação.

As IGs consistem em um selo –que no Brasil é conferido pelo INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial)– que designa um produto cujas qualidades se devam ao meio geográfico. É o que ocorre na Europa com o espumante da região de Champagne, na França, ou os queijos parmigiano reggiano, na Itália.

Quando uma região recebe uma IG, os produtores daquela área normalmente estão reunidos em uma associação. E essa associação tem um corpo de governança que auxilia os agricultores em vários aspectos, como, por exemplo, o processo para obter os certificados de rastreabilidade, algo que pode ser complexo e demasiadamente custoso para os micro e pequenos produtores.

Além disso, os selos de Indicação Geográfica normalmente agregam valor ao produto, outra razão pela qual têm se tornado uma das grandes tendências do mercado cafeeiro brasileiro.

O jornalista viajou a convite da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

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