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Ciclocosmo - Caio Guatelli
Caio Guatelli

Menos garagens, mais bicicletários

Mesmo com dinheiro em caixa, prefeitura de São Paulo atrasa projetos de mobilidade

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Numa cidade como São Paulo, onde grande parte da população já está servida com algum tipo de estrutura cicloviária, a falta de bicicletários pode estar impedindo a capacidade de substituição de automóveis por bicicletas e pelo transporte coletivo.

Atualmente com 699,2 Km de ciclovias e apenas 72 bicicletários públicos, São Paulo está bem longe de alcançar os compromissos previstos pelo PlanMob (lei do Plano de Mobilidade Urbana de São Paulo), essenciais para tornar o trânsito da cidade mais eficiente, menos violento e menos poluente.

Bicicletário em São Miguel Paulista, na zona leste: lotação chega no limite logo nas primeiras horas do dia - Folhapress

De acordo com a lei, entre outras metas, a atual gestão municipal tem até o fim de 2024 para "implantar 400 Km de rede cicloviária", criar bicicletários gratuitos em "todos os novos terminais e estações", "adequar a implantação nas estações existentes do transporte público coletivo" e "instalar pelo menos um bicicletário público na área de cada uma das 32 subprefeituras".

Até agora a gestão entregou menos de 40 Km de estruturas cicloviárias e não conseguiu adequar, nem de perto, o volume de vagas em bicicletários à atual demanda.

Além da ausência de bicicletários em vários pontos onde estavam previstos, muitos dos equipamentos existentes quase sempre estão lotados e apresentam falhas de zeladoria.

No bicicletário da estação de trem de São Miguel Paulista, na zona leste, por exemplo, as 256 vagas não são suficientes há muito tempo.

Para grande parte da população que vive naquela região, o trem é a opção mais rápida e econômica para os longos deslocamentos —o centro fica a cerca de 30 Km dali—, e a bicicleta tem desempenhado um importante papel no trajeto entre as casas e a estação ferroviária.

Contudo, já nos primeiros instantes da manhã, quando a estação abre, as 256 vagas já são rapidamente ocupadas. Para quem chega ali um pouquinho mais tarde já virou rotina deixar a bicicleta em situação vulnerável, presa em postes e grades do entorno, longe da atenção dos seguranças.

Na estação de trem Jardim Helena Maria, também na zona leste e que também tem um bicicletário que vive lotado, alguns ciclistas chegam a deixar suas bicicletas presas nas copas das árvores para dificultar o furto.

Com bicicletário lotado, ciclistas que fazem a intermodalidade com o trem, na estação Jardim Helena Maria (zona leste), deixam suas bicicletas amarradas em árvores - Folhapress

Situação semelhante acontece com o bicicletário do terminal de ônibus da Vila Nova Cachoeirinha, na zona norte, onde há apenas 24 vagas e a zeladoria tem atribuições diversas ao bicicletário.

Em Santana, na zona norte, a estrutura chamada de bicicletário, e que serve tanto ao Metrô quanto ao terminal de ônibus, é na verdade um paraciclo (estrutura sem zeladoria). "Os ciclistas evitam deixar as bicicletas ali pelo risco de furto. Quem tem condições acaba usando outros tipos de transporte, como carro ou moto", disse o cicloativista Anderson Augusto, o Ciclonauta.

Paraciclos do terminal Santana, na zona norte. Ciclistas evitam o equipamento por medo de furto - Anderson Augusto

A vulnerabilidade das bicicletas à ação de bandidos é um dos principais motivos que diminuem a escolha por esse tipo de transporte, diz a pesquisa "Bicicletário Modelo", produzida pelo Instituto Ciclocidade. E não é para menos; só em 2022 a cidade de São Paulo registrou 3.186 furtos de bicicletas, um aumento de 13% em relação ao ano anterior.

"Na dinâmica de um trabalhador, que pretende usar a bicicleta para economizar, é importante que ele sinta segurança, que ele saiba que ao voltar do trabalho vai encontrar a bicicleta onde deixou", disse Heloisa Bento Ribeiro, urbanista e coordenadora do projeto "Mais Bicicletários", do Instituto Aromeiazero.

Para ela, o custo de instalação e manutenção desse tipo de equipamento é uma das justificativas dadas pelo poder público para não ampliar a rede. "A operação de cada bicicletário gira em torno de R$ 20 a 30 mil por mês, e é considerada muito onerosa pelos gestores públicos", disse.

"São Paulo tem hoje 7.192 vagas na soma de seus 72 bicicletários. Quando a gente olha para os países desenvolvidos, esse número corresponde às vagas disponíveis em um único bicicletário", ressaltou a urbanista.

No projeto "Mais Bicicletários", um novo modelo de equipamento, subsidiado por serviços anexos, como oficinas, cafés e empresas de cicloentregadores, tornaria possível a oferta de vagas seguras e gratuitas ao usuário, sem onerar a gestão pública.

Segundo Ribeiro, um projeto de bicicletário que busca a sustentabilidade financeira a longo prazo deve "auxiliar na promoção da intermodalidade entre bicicletas e transporte coletivo" a fim de "proporcionar economia, saúde e redução das desigualdades sociais".

A prefeitura de São Paulo, que está com o maior caixa de toda sua história —atualmente são R$ 35 bilhões— tem se mostrado alheia às questões da mobilidade sustentável. Em março enviou à Câmara Municipal um projeto de lei que desobriga a gestão de investir em mobilidade urbana e habitação parte do Fundurb (Fundo de Desenvolvimento Urbano), além de ter alterado seu Plano de Metas, prejudicando principalmente os programas de mobilidade urbana, como por exemplo a exclusão da meta 49, que previa expandir em 420 Km o total de vias atendidas por ônibus.

Em outra frente, que também indica prejuízo à mobilidade urbana, a proposta da prefeitura para a revisão do Plano Diretor possibilita que a especulação imobiliária encontre condições de aumentar em 12% o número de vagas de garagens para carros no entorno de corredores de ônibus e estações de metrô. A proposta da atual gestão vai na contramão da ideia de desestimular o uso de automóveis na cidade, já bastante difundida em países desenvolvidos e que é um dos preceitos fundamentais da lei PlanMob.

Para os paulistanos que continuam interessados em um futuro mais seguro, saudável e com menos desigualdades sociais, resta pressionar a gestão para que cumpra o que está previsto em lei, e torcer para que tenham êxito as soluções alternativas, como a proposta pelo Instituto Aromeiazero.

Sem vagas no bicicletário da estação São Miguel, usuários deixam suas bicicletas presas em grade de terreno vizinho à linha do trem - Caio Guatelli

Questionada sobre as metas do PlanMob, a prefeitura de São Paulo enviou uma nota à Folha. Leia abaixo o conteúdo na íntegra:

A Prefeitura de São Paulo, por meio da Secretaria Municipal de Mobilidade e Trânsito e da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), esclarece que, atualmente, a cidade conta com 699,2 km de vias com espaços dedicados às bicicletas. O Programa de Metas 2021-2024 (meta 43), estabelece a implantação de mais 300 km de ciclovias e ciclofaixas até 2024, totalizando 1000 km ao final da gestão.

O Plano Cicloviário da cidade de São Paulo prevê uma rede de 1.800 km até 2028.O documento estabelece, ainda, a implantação de bicicletários em todos os terminais urbanos de ônibus municipais, como uma forma de incentivo ao uso de bicicletas para deslocamento.

Atualmente, para usufruir da integração modal o ciclista conta com 7.192 vagas em 72 Bicicletários e 802 vagas em 29 locais com Paraciclos, integrados ao sistema de transporte da Cidade de São Paulo - Metrô, CPTM, EMTU, SPTrans.

A SPTrans informa que a cidade conta com 31 bicicletários nos terminais de ônibus e que desde 1º de novembro de 2022, 19 terminais passaram a ser administrados pela Concessionária SP Terminais Noroeste e Concessionária SP São Paulo Sul, conforme relação abaixo.

Os bicicletários serão reformados e ampliados com controle de acesso e zeladoria sob a responsabilidade das concessionárias, por regime de Parceria Público-Privada.

A SPTrans faz a gestão de 12 terminais do bloco Leste e segue aguardando a licitação e assinatura do contrato de concessão para estes terminais.

Mais informações no link Concessão de 19 terminais de ônibus começa nesta terça-feira | SPTrans

O Terminal Santana é responsabilidade do Metrô.

Bloco Leste – SPTrans

A.E. Carvalho, Aricanduva, Cidade Tiradentes, Itaquera II, Mercado, Parque D. Pedro II, Penha, Sacomã, São Miguel, Sapopemba/Teotônio Vilela, Vila Carrão, Vila Prudente, Todas as estações do Expresso Tiradentes.

Concessionária SP Terminais Noroeste

Amaral Gurgel, Campo Limpo, Casa Verde, Jardim Britânia, Lapa, Princesa Isabel, Pinheiros, Pirituba, Vila Nova Cachoeirinha, Paradas Eldorado e Clínicas.

Concessionária SP São Paulo Sul

Água Espraiada, Bandeira, Capelinha, Grajaú, Guarapiranga, Jardim Ângela, João Dias, Parelheiros, Santo Amaro, Varginha

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