Ciência Fundamental

O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Qual a origem da Lua?

Por que o satélite que nos orbita é tão grande, se comparado às luas de planetas vizinhos?

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Adriana Alves

A ficção tem o poder de nos fazer refletir sobre realidades alternativas, que por vezes se concretizam. Basta ler "1984" ou "A revolução dos bichos", de George Orwell, ou ainda Isaac Asimov para traçar paralelos imediatos com o presente. Hollywood tem a adicional vantagem de nos brindar com efeitos especiais que traduzem conceitos e efeitos que cientistas apenas esboçam em seus textos. Isso é verdade também para "Moonfall – Ameaça lunar", filme recém-lançado no streaming que, apesar de não ter me agradado muito, faz pensar: o que mantém a Lua orbitando a exatos 384.400 quilômetros da Terra?

Musa inspiradora de "Lunik 9", aquela canção de 1967 de Gilberto Gil, que diz "Poetas, seresteiros, namorados, correi", a Lua guarda mistérios dos primeiros momentos da evolução do planeta. Desde que as expedições espaciais americanas revelaram que sua composição é semelhante à do manto terrestre primitivo, os estudos que se seguiram desvendaram seu papel na estabilidade do eixo de rotação do planeta, no controle das marés e de nosso clima.

Arte ilustra um ambiente espacial e uma sequência em que a lua vai se transformando em um coelho
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

Embora saibamos muito sobre a Lua, sua origem foi e ainda é motivo de controvérsia. A hipótese mais aceita é que ela tenha se formado pelo impacto terrestre de um corpo celeste gigantesco de nome Theia, numa fase em que nosso planeta ainda era uma grande esfera de magma e estava no início de sua diferenciação.

Nesse processo, os elementos mais pesados afundaram em direção ao centro da Terra, formando um núcleo de liga metálica de ferro e níquel (cuja rotação é responsável por nosso campo magnético) e deixando para trás uma camada externa enriquecida de elementos mais leves (principalmente silício), cuja composição se assemelha aos magmas que hoje são expelidos nos limites em que as placas tectônicas se separam, formando as chamadas dorsais meso-oceânicas.

Nosso satélite é único não apenas pelas influências na dinâmica da Terra, mas também por sua dimensão e por ser raro em planetas de sistemas vizinhos ao nosso, ditos planetas extrassolares. Cientistas estimam que apenas de 5% a 10% de todos os sistemas planetários conhecidos possuem luas cujo tamanho seja tão avantajado em relação ao planeta orbitado. Isso porque a formação desses corpos envolve impactos poderosos, que resultam no espalhamento irreversível da nuvem de poeira gerada na colisão.

Por que então a Terra foi privilegiada com um satélite de tamanho e importância tão relevantes? Quais as condições que favorecem a estabilização das nuvens de poeira formadas por grandes impactos? Respostas a essas perguntas começam a ganhar corpo a partir das simulações numéricas realizadas por cientistas americanos e japoneses em trabalho publicado esse ano, na revista "Nature Communications".

Luas derivadas de impactos se originam quando o material ejetado orbita os planetas a uma distância ideal conhecida como "hill radius"; acima ou abaixo dessa distância, o material ejetado é perdido para o espaço ou colapsa de volta ao planeta de origem, respectivamente. Os resultados dessas simulações sugerem que os planetas mais propensos a formar luas têm raios que são no máximo 60% superiores ao da Terra. Planetas maiores ou constituídos de gelo formariam discos ricos em vapor ou protoluas ricas em gases, e a perda desses gases para o espaço causaria uma diminuição de momento angular (a velocidade de movimento dos corpos em rotação) e o consequente regresso do material ejetado ao planeta de origem.

Uma implicação importante do estudo é que a busca por luas derivadas de impactos de tamanho relativamente grande deve ser focada em planetas cujos raios sejam 1,6 vezes menores que o raio terrestre, requisito satisfeito por apenas 57 dos mais de 4 mil planetas extrassolares já reconhecidos.

O mais interessante é que o trabalho ainda abre caminho para novos modelos da evolução composicional da Terra, já que os cientistas nunca consideraram, por exemplo, os potenciais efeitos do regresso de material ejetado em distintos estágios da diferenciação terrestre.

Se o sistema Terra-Lua parece ser único em suas relações de interdependência, e se parte dessa interdependência advém justamente de fatores como tamanho relativo do nosso satélite e distância de órbita, o estudo revela más notícias aos cientistas dedicados à busca de planetas de dinâmica externa e interna similares às da Terra. Ao que parece, o surgimento de condições habitáveis adveio realmente da sucessão de eventos aparentemente independentes, mas que se intrincam e correlacionam para permitir as condições climáticas ideais à vida como conhecemos.

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Adriana Alves é geóloga e professora da USP.

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