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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Janelas abertas para o desconhecido

Em meio a telescópios de ponta, Brasil se destaca na astrofísica

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Pedro Lira

Albert Einstein talvez não imaginasse que, passados pouco mais de cem anos de sua teoria da relatividade geral, seria possível contemplar uma de suas previsões mais deslumbrantes: os buracos negros, como mostrou a imagem do Sagitarius A*, localizado no centro da Via Láctea. Segundo Elisa Ferreira, cosmóloga da Universidade de São Paulo e pesquisadora no Kavli Institute for the Physics and Mathematics of the Universe, no Japão, "vivemos um momento em que se abriu uma nova janela de observação para o universo" – que o digam, aliás, as imagens do telescópio James Webb apresentadas pela NASA essa semana.

O Brasil vem ganhando protagonismo nas investigações espaciais. Além de integrar projetos de telescópios de relevância científica como o Dark Energy Survey — colaboração de institutos de pesquisa e universidades de seis países —, em breve a comunidade científica vai inaugurar o primeiro telescópio com tecnologia de ponta brasileiro. "Temos um papel importante em muitos projetos, mas pela primeira vez o Brasil é o líder de um telescópio, o Bingo, situado no sertão da Paraíba", diz Ferreira.

Arte ilustra pessoas sentadas num ambiente espacial brindando em meio a garrafas e louças; a moldura da ilustração traz telescópios nas quatro pontas.
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

O mais antigo mistério sem solução da física, a matéria escura, faz parte dos assuntos investigados pela cosmologia. Os números impressionam: tudo o que vemos é só 4% do universo. Os outros 96% correspondem à parte escura do cosmos, uma junção de energia e matéria que não pode ser detectada pela luz e permanece desconhecida para a ciência. Mas como sabemos, então, que a matéria escura está lá?

"No universo, tudo que possui massa influencia a gravidade do sistema. Então, para medirmos a velocidade de cada estrela que gira ao redor do centro de nossa galáxia, devemos levar em conta a massa total desta galáxia. Mas quando o cálculo é feito, os dados não batem", explica a pesquisadora. Colocando na equação apenas a massa visível, o resultado para a velocidade das estrelas é muito diferente do que observamos no espaço. "Para chegar a um resultado correto, o cálculo deve levar em conta uma quantidade de massa muito maior. Hoje sabemos que essa massa representa 85% da matéria que existe e não conseguimos enxergar, a matéria escura."

Existem centenas de modelos para explicar essa massa que não emite luz. "É bonito ver como a ciência é criativa: ela pode postular de uma nova partícula fundamental até buracos negros primordiais", diz Ferreira. Ou seja, em teoria, a matéria escura pode ser composta de buracos negros primordiais com massa equivalente à do Sol, ou de uma partícula elementar de massa muito pequena.

É aí que entram os novos telescópios. Astrofísicos e cosmólogos de todo o mundo têm se dedicado a testar os diferentes modelos a fim de descobrir o mais apropriado para explicar a matéria escura. "Nossos antecessores mediram as propriedades do universo muito bem, mas as tecnologias de ponta nos permitem encontrar novas evidências, desvios nas antigas propriedades que podem indicar novos caminhos ou derrubar teorias a respeito do que poderia ser essa matéria", explica a cientista.

Há alguns anos, o modelo mais popular para se compreender a matéria escura tem sido o Wimp, do inglês Weakly Interacting Massive Particle. Segundo essa teoria, a matéria escura seria uma nova partícula fundamental que interage muito fracamente ou quase nada com outras partículas padrão, aquelas que enxergamos. Nessa linha, foram gastos bilhões de dólares em experimentos que não geraram resultados conclusivos. Isso fez com que a nova geração decidisse investir esforços em outros modelos.

A pesquisadora escolheu investigar modelos de matéria escura ultraleve. Um dos principais exemplos é o áxion, uma partícula hipotética que os cientistas propuseram para justificar incompatibilidades no modelo das partículas elementares. É uma partícula teórica que, caso existisse na natureza, poderia se comportar como a matéria escura.

Ferreira examina um comportamento específico de partículas ultraleves que pode nos dar pistas sobre as propriedades da matéria escura: a dualidade partícula-onda. Toda partícula pode ser descrita como uma onda, a depender de sua massa e velocidade, sendo o tamanho da onda inversamente proporcional ao tamanho da massa. Em outras palavras, quando a massa da partícula é muito pequena, ela se comporta como uma onda. Nos casos em que a massa é menor que um elétron, por exemplo, o comportamento da onda é muito evidente. Esse modelo é um forte candidato para explicar a matéria escura, já que ela se comporta na galáxia mais como uma onda do que como uma partícula.

Mas esse comportamento não é evidência suficiente para afirmar que a matéria escura é formada de partículas ultraleves. "Mesmo que eu detecte uma propriedade condizente com a de onda, ainda preciso mostrar que nenhum outro modelo tem essa propriedade", explica a cientista. "É um trabalho e tanto achar essas evidências e simular esse cenário o mais próximo possível do universo para dizer que é justo aquilo que estou procurando". Mas o caminho é esse. Atualmente, a equipe da cientista chegou a um dos resultados mais próximos do que poderia ser a massa dessa partícula.

A nova geração de cosmólogos está ansiosa para pôr diferentes modelos à prova. "Nos próximos anos, com o material que está sendo coletado pelos telescópios, teremos dados para corroborar modelos ou excluí-los." São esses dados que farão a diferença na pesquisa de Ferreira. Seu trabalho, na interface entre teoria e observação, envolve predições e simulações que serão comparadas às informações já disponíveis.

"A ciência é um esforço coletivo para descobrir os mistérios do nosso universo. Nunca me falaram isso. Aquela imagem do cientista solitário e maluco – sempre um homem branco – não tem nada a ver com a ciência que fazemos diariamente: uma conexão do mundo todo por um bem maior", conclui.

*

Pedro Lira é jornalista no Instituto Serrapilheira.

Esta matéria foi escrita para a campanha #ciêncianaseleições, que celebra o Mês da Ciência. Em julho, os textos do blog Ciência Fundamental vão refletir sobre o papel da ciência na reconstrução do Brasil e a sua relação com outros temas de interesse público. O de hoje é sobre ciência e desenvolvimento tecnológico.

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