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O que pensam os jovens cientistas no Brasil?

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Descrição de chapéu África

Para onde vão os mosquitos no período das secas?

Cientistas desconfiam que eles pegam carona no vento para migrar longas distâncias

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Fabio Gomes

Na África, a temporada de chuvas é sempre um momento de grande expectativa e celebração: depois de meses de calor e seca, elas trazem enorme alívio e renovam o ambiente. No entanto, nem tudo é sombra e água fresca, pois elas também são responsáveis por novos casos de malária, uma vez que as condições se tornam ideais para a proliferação dos anofelinos, os mosquitos que transmitem a doença. Quando as chuvas começam, esses insetos encontram acúmulos de água parada e limpa, e neles botam ovos e se propagam. E a comunidade científica se vê às voltas com uma questão: se eles surgem no período chuvoso, onde estavam durante a estiagem? De onde eles vêm? Em regiões da África subsaariana, a temporada de seca pode durar de três a oito meses, ou seja, pode se estender por mais tempo que a vida média dos mosquitos. Sem água onde depor os ovos, seria esperado que eles morressem antes de se reproduzir, certo? Então o que ocorre?

Uma alternativa potencial seria que eles se deslocam até locais mais amenos, tal como as aves migratórias, mas é preciso levar em conta que a autonomia de voo desses seres é limitada. Um estudo do cientista Tovi Lehmann, do National Institutes of Health (NIH), sugere uma outra realidade. Ao marcar uma população de Anopheles coluzzii em vilarejos do Mali, no oeste Africano, os pesquisadores observaram que alguns mosquitos continuavam vivos até sete meses após a marcação. Se isso for verdade, ao menos essa espécie de mosquito poderia ser capaz de sobreviver às temporadas típicas de secas, e é extraordinário pensar que alguns mosquitos anciões consigam permanecer vivos tanto tempo no ambiente.

Arte ilustra mosquitos voando e carregando pessoas
Ilustração: Lívia Serri Francoio - Instituto Serrapilheira

Mas, se por um lado esses padrões não parecem se aplicar a todas as espécies de anófeles, por outro, as temporadas de seca podem se estender além desses períodos, um padrão que vem se tornando cada vez mais frequente dados os efeitos das mudanças climáticas. Em outro conjunto de investigações, esse grupo de pesquisa talvez tenha obtido resultados mais impressionantes.

Baseando-se em dados meteorológicos, modelos climáticos e coletas de insetos em altas altitudes, a equipe de Lehman sugere que os mosquitos do Sahel — uma região semi-árida que atravessa o continente africano da Mauritânia ao Sudão — são capazes de migrar longas distâncias: alguns poderiam viajar mais de 300 quilômetros, pegando carona nas correntes de ar. Estudos recentes aventaram que esses movimentos migratórios não afetam significativamente a alimentação e a capacidade reprodutiva desses animais. Ou seja, nada de jet lag para eles. Se a comunidade científica confirmar esses dados, isso significa que alguns mosquitos são capazes de cruzar enormes distâncias em um verdadeiro movimento migratório que possibilita a transmissão da malária para as regiões para onde vão. E poderiam voltar desses locais quando o clima se tornasse mais ameno.

Além desses movimentos de migração natural, os mosquitos podem pegar carona junto à atividade humana, e assim são capazes de se espalhar ainda mais, como é o caso do mosquito Aedes aegypti e o Aedes albopictus, principais vetores de vírus como zika e dengue. Ao contrário do que possa parecer, dada sua vasta presença em nosso país, o Aedes não é natural do Brasil nem de outros locais da América: ao que tudo indica, ele desembarcou entre nós no início do século 20, via marítima.

Algumas teorias sugerem que eles foram transportados na água usada para resfriar os porões das embarcações, enquanto outras dizem que aportaram à região por meio da importação de pneus usados, que podem reter água e servir de criadouros. No caso do Aedes, esse processo foi facilitado por seus ovos serem resistentes à dessecação. O rápido crescimento populacional e a acelerada urbanização no período, bem como a falta de medidas de controle do vetor, facilitaram a entrada em nosso país desses insetos, que se adaptaram extremamente bem às condições climáticas e à infraestrutura urbana. Essa adaptação ótima explica por que é tão difícil controlar a transmissão das doenças causadas por eles.

E esse é o caso oposto de boa parte das espécies de mosquitos anofelinos da África, avessos às condições urbanas, limitação que convenientemente mantém a malária longe dos grandes centros urbanos africanos. Infelizmente, a migração associada ao transporte urbano parece também atuar para a alteração desses cenários. Isso porque o mosquito Anopheles stephensi, nativo da Ásia, tem sido encontrado em vários países da África ao longo da década. E ele não só é muito eficiente na transmissão da doença, como se prolifera a contento nas cidades. Ou seja: a presença desse mosquito na África pode ocasionar um aumento significativo na disseminação da malária, mesmo em áreas urbanas antes relativamente livres da doença.

A circulação da doença em grandes centros urbanos da África pode ter consequências devastadoras e pôr em risco o enorme progresso na redução da incidência dessa doença obtido ao longo do século 21. A OMS reconheceu o perigo e lançou uma iniciativa para interromper a propagação desse mosquito na África. A vigilância e o controle entomológico, fundamentais para interromper a transmissão do Anopheles gambiae no Brasil no século passado, serão cruciais.

Nenhum continente está imune a invasões como essa: é preciso estar preparado e atento para enfrentar quaisquer desafios que possam surgir.

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Fabio Gomes é professor do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho da UFRJ e membro do Laboratório de Ultraestrutura Celular Hertha Meyer. Twitter: @plasmovet

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