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Os grandes projetos da astronomia

Muito além do telescópio espacial James Webb - e o papel da ciência brasileira nisso

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Thiago Gonçalves

No final de 2021, o telescópio espacial James Webb foi lançado ao espaço. Com capacidade de observar objetos 100 vezes menos brilhantes que o Hubble, seu antecessor, o novo dispositivo suscitou uma revolução na astronomia, investigando a formação das primeiras estrelas do Universo e examinando as propriedades de sistemas planetários em nossa vizinhança.

Uma das descobertas mais recentes do novo telescópio, por exemplo, anunciada no dia 6 de março, foi uma galáxia que já estava morta quando o Universo tinha apenas 5% de sua idade atual. No entanto, às vezes tem-se a impressão de que o James Webb faz tudo sozinho. Que ele seria muito melhor que todos que vieram antes, e que dispensa seus pares. Em parte isso é resultado da excelente campanha de marketing orquestrada pelas agências espaciais norte-americana e europeia, mas é importante entender a importância da diversidade de recursos.

arte ilustra uma mulher jogando tênis; a bola é um planeta rodeado por um anel, como saturno
Ilustração: Clarice Wenzel - Instituto Serrapilheira

Em primeiro lugar, nem o próprio Hubble tornou-se obsoleto. Embora menor e menos sensível, o telescópio espacial original, lançado em 1990, continua sendo de suma importância para a astronomia, e complementa seu irmão mais novo. Por observar em comprimentos de onda ultravioleta e visível, que o James Webb não alcança, ele é capaz de detectar tipos de radiação invisíveis para os instrumentos do dispositivo mais recente, investigando outros processos físicos em corpos no espaço.

Além disso, telescópios espaciais não resolvem todos os nossos problemas. Eles têm grandes vantagens, é verdade, uma vez que suas imagens não estão sujeitas às interferências da atmosfera terrestre. Por outro lado, encontram-se fortemente limitados pela capacidade de envio de instrumentos ao espaço — sobretudo em casos como o James Webb, a mais de um milhão de quilômetros de distância, inalcançável para qualquer possibilidade de reparos.

Assim, torna-se promissora a possibilidade de construir telescópios gigantes, com uma área coletora equivalente a quatro quadras de tênis. Cada câmera, acoplada ao telescópio principal por meio de espelhos laterais, ocupa o espaço de uma pequena casa. São instrumentos poderosíssimos, em dimensões impensáveis para se carregar em um foguete, e em muitos aspectos mais potentes que o próprio James Webb.

Por exemplo, com essa nova geração de telescópios gigantes, poderemos examinar a composição química de galáxias a dezenas bilhões de anos-luz de distância, e estudar o nascimento de estrelas com uma precisão inédita até mesmo para os telescópios espaciais mais potentes.

Mas as ambições não param aí. Temos também um conjunto de telescópios de dimensões mais modestas, mas com uma propriedade importante: câmeras imensas, capazes de varrer os céus num átimo (astronomicamente falando, claro). Dois deles (o Euclid e o Nancy Roman) estão sendo projetados para serem lançados ao espaço, enquanto o Vera Rubin, que está sendo construído no Chile, será um telescópio terrestre com uma enorme câmera de 3,2 gigapíxeis.

Com esse novo detector, a cada três ou quatro noites o Vera Rubin poderá obter imagens de todo o céu visível de sua posição, produzindo não apenas uma imagem descomunal do céu, mas também um vídeo noturno, aumentando exponencialmente nossa capacidade de detectar eventos transientes como, por exemplo, supernovas.

Tenho orgulho de dizer que muitos desses projetos recebem contribuições brasileiras importantes. O país é membro do consórcio internacional para a construção do Vera Rubin, e conta com a participação direta de mais de uma centena de cientistas que poderão aproveitar os primeiros dados produzidos pelo telescópio quando ele começar a operar no começo de 2025.

Além disso, dos três telescópios gigantes em construção na próxima década, contribuímos diretamente para dois deles: o estado de São Paulo financia, por meio da FAPESP, a participação de astrônomos paulistas no GMT, de 24 metros de diâmetro, e uma grande equipe brasileira participa da construção de uma câmera gigantesca para o ELT, de 39 metros de diâmetro, ambos também no Chile.

Mas gosto de pensar que poderíamos contribuir muito mais. Capacidade intelectual sem dúvida não nos falta, o país tem muitos cientistas brilhantes. O que nos falta talvez seja investimento, para que possamos alcançar a necessária e merecida posição de protagonista nos mais importantes consórcios científicos internacionais.

Notem que aqui não me refiro apenas a verbas. Os recursos até existem, embora esporádicos, e permitem que cientistas brasileiros participem como colaboradores. Para posições de liderança e destaque, entretanto, é muito difícil contar com um financiamento continuado à ciência no país, à mercê do apoio temporário de um ou outro governo.

Ciência de ponta não se faz assim. O James Webb vinha sendo planejado havia mais de 30 anos, com investimento contínuo. Nos Estados Unidos, todos os astrônomos do país se reúnem a cada dez anos para determinar as prioridades científicas e planejar os investimentos em pesquisa das próximas décadas.

No Brasil, esse cenário ainda é um sonho, dada a fragilidade da ciência no panorama político e a possíveis cortes repentinos. Para que o país desponte como líder científico internacional, devemos garantir que a ciência seja um plano de Estado a longo prazo, e não apenas um plano de governo para um curto período de quatro anos.

*

Thiago Gonçalves é astrônomo, diretor do Observatório do Valongo da Universidade Federal do Rio de Janeiro e divulgador de ciência.

O blog Ciência Fundamental é editado pelo Serrapilheira, um instituto privado, sem fins lucrativos, que promove a ciência no Brasil. Inscreva-se na newsletter do Serrapilheira para acompanhar as novidades do instituto e do blog.

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