Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu Caixa Econômica Federal

A masculinidade frágil dos fãs de pimenta ardida

Suportar a dor da comida picante demais é visto como demonstração de coragem, caráter e virilidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Leio que Pedro Guimarães, ex-presidente da Caixa Econômica Federal, está sendo processado por obrigar funcionários a comer pimenta.

Pois quanta surpresa. Quem diria que o sujeito, enroscado em acusações de assédio e destruição de patrimônio público, seria capaz de tão sagaz brincadeira?

Pedroca tem expertise no bullying. Além de meter pimenta no prato de quem não pediu pimenta, teria chamado de "bambi" um subordinado que espremeu limão na comida para tentar disfarçar o ardido. O veado da Disney é um xingamento homofóbico dirigido a torcedores do São Paulo Futebol Clube.

Pimentas em hortifruti do Mercado de Pinheiros
Pimentas em hortifruti do Mercado de Pinheiros - Alberto Rocha/Folhapress

Conclui-se aí que Pedro Guimarães atribui uma certa falta de macheza a quem prefere não encarar uma refeição cheia de pimenta, dor e sofrimento.

O pior é que ele não está sozinho nessa cretinice. Existe um sentimento entranhado nos homens heterossexuais de que a tolerância a comidas muito picantes está relacionada a coragem, bravura e perseverança. Em última análise, à firmeza de caráter que todo macho deveria ostentar para honrar o saco.

Pimentas furibundas entram na mesma categoria dos carrões mastodônticos, motos barulhentas, cervejas muito amargas, falar palavrão, cuspir no chão e o boi no rolete. Uma sinalização pública de virilidade.

Ou de alguém com insegurança doentia, temor de ser desmascarado nas suas delicadezas. A tal da masculinidade frágil de que tanto se fala.

Todo o marketing dos molhos de pimenta explora o potencial ofensivo do produto. São atributos positivos adjetivos como flamejante, ardente, vulcânico, nuclear, apocalíptico e infernal.

Tem uma marca paulista que vende uma pimenta chamada Ardência no Regaço. Como se fosse bacana a sensação de expelir lava pelo fiofó.

Criou-se uma escala numérica para dimensionar o estrago que uma pimenta pode acarretar nas nossas mucosas. Atentos ao sucesso da propaganda incendiária, pimenticultores desenvolvem variedades explosivas da planta. Todo ano sai uma nova pimenta mais ardida do mundo.

Toda hora tem alguém se exibindo no Youtube em algum desfio de pimentas. Nem mulheres escapam do surto de estupidez.

É difícil ignorar a tentação primitiva de vencer a pimenta. Você supera a dor, rompe amarras sociais e zomba da fugacidade da existência humana. Basta derrotar um sarapatel ou um acarajé. Só fica chato quando o acarajé vence.

Precisei apanhar da pimenta por meio século até entender que ela é mais forte. Encarei muito sofrimento na entrada e na saída, sem ganhar tolerância alguma.

A sensibilidade à capsaicina, composto que faz a pimenta arder, varia muito individualmente. A minha é alta, e não há problema algum nisso.

Pimenta é um tempero fantástico. Cada variedade aporta aromas próprios, queima mais ou queima menos. Um pouco de ardor é gostoso; dor autoinfligida é o masoquismo que aprendi a evitar.

Aí viajo para Salvador com o filho de 10 anos, e o moleque quer saber se a baiana põe trinidad scorpion ou carolina reaper no acarajé.

Lá vamos nós outra vez.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.