Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu alimentação

Miojo é atentado contra saúde pública e gastronomia

Macarrão instantâneo fecha a cartela do bingo dos ultraprocessados sem entregar vantagem alguma a quem come

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São Paulo

A data em que escrevo estas linhas, 25 de agosto, é lembrada por ser o Dia do Soldado e o dia em que Jânio Quadros pediu penico. É também o aniversário de uma de minhas irmãs e, acabo de saber, o Dia Internacional do Miojo.

Quem decidiu homenagear o Miojo? A Nissin, que concebeu o macarrão instantâneo. A própria Miojo Corporation International Enterprise.

A assessoria da Nissin dispara uma torrente de mensagens "bem-humoradas" e a imprensa cai porque lhe interessa cair. Você, neste momento, está a ler um exemplo do sucesso dessa estratégia.

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Miojo é mais caro do que macarrão normal se você analisar o preço por quilo - Gabo Morales/Folhapress

Tome miojo com requeijão, com feijão, com queijo. Com frutos do mar, meu pai amado! Lasanha de miojo, pizza de miojo. É bom parar por aqui, não quero causar mal-estar em ninguém.

Por falar nisso, miojo é um atentado contra saúde pública.

Trata-se de um caso mui peculiar de alimento que fecha a cartela do bingo da podreira –alto em sódio, em gordura saturada e com todos os aditivos industriais enumeráveis– sem trazer benefício algum para quem o consome.

Não fosse um produto real, o miojo bem poderia ser uma invenção exagerada do pessoal do Nupens (núcleo da USP especializado em nutrição) para explicar os ardis da comida ultraprocessada.

Já usei substâncias proibidas e/ou perigosas (incluindo miojo) e não me arrependo disso, mas sou crescido e responsável pelas minhas péssimas escolhas.

O jogo é outro quando uma empresa do porte da Nissin imprime embalagens com personagens infantis, jogando o inescrutável pozinho do miojo na mesma gaveta da maçã da Mônica e da melancia da Magali.

"Ah, mas é só não usar o pozinho..."

Nem vem. Qual o sentido disso?

Não tem cabimento gastar dinheiro em polvo, em camarão, em comida boa para misturar ao macarrão pré-frito. Se vai fazer um molho bacana, usa massa normal, misericórdia!

"Ah, mas miojo é mais rápido..."

Então a pessoa que vai fazer um ovo pochê para turbinar o miojo não aguenta esperar dez minutos para a massa cozinhar. Próximo argumento.

"É mais barato."

Não é. Se as etiquetas do seu mercado não trazem o preço por quilo, pegue a calculadora do celular e faça a conta. Miojo é mais caro do que macarrão comum.

Miojo, como as carnes enlatadas ou barrinhas de cereal, só se justifica em caso de emergência ou calamidade. São aquelas comidas que você deixa guardadas por anos –nunca estragam, mesmo– à espera do apocalipse zumbi.

O perigo do miojo está na combinação de sabores viciantes (sem hipérbole aqui) com um esquema de propaganda brutal. Quem paga pela desinformação são os mais vulneráveis.

Vou terminar com um pequeno causo.

Trabalhou aqui em casa uma diarista que raramente comia o que eu lhe oferecia.

"Fulana, come o frango que eu fiz ontem." Não comia. "Tem carne moída na geladeira." Ainda estava lá quando eu voltava do trabalho. Um dia, ela contou que sacava um miojo da bolsa e mandava para dentro.

Joguei a toalha e abasteci a despensa com miojo, prontamente aceito pela Fulana. Ainda estou sem saber se foi a bruxaria dos ultraprocessados ou se eu cozinho realmente muito mal.

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