Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu alimentação

É normal comer feijão no café da manhã?

Além dos feijões em molho de tomate, desjejum inglês tem linguiça, ovos, bacon, cogumelos e chouriço de sangue

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Londres

Não são poucos os hábitos alimentares britânicos que o resto do mundo considera, para dizer o mínimo, questionáveis. Tentarei enumerá-los nesta minha temporada londrina, mas hoje vou me ater a um que fala às tripas dos brasileiros: o feijão em molho de tomate adocicado no café da manhã.

Eles se chamam baked beans, apesar de não parecerem ser assados. Até onde se sabe, ninguém prepara os próprios baked beans: a tradição manda comprá-los enlatados, da marca Heinz, que detém 60% do mercado do feijão na Inglaterra.

Os baked beans são tão relevantes para a cultura doméstica britânica que a revista The Economist publicou um artigo em que especula suas origens.

Café da manhã inglês, com baked beans (feijões em molho de tomate), hash browns (batata ralada e frita), ovo, bacon, linguiça e tomate assado
Café da manhã inglês, com baked beans (feijões em molho de tomate), hash browns (batata ralada e frita), ovo, bacon, linguiça e tomate assado - Marcos Nogueira

Aparentemente, os indígenas da América do Norte já preparavam o feijão com gordura de animais, em especial de urso e de veado. Os colonos europeus trocaram a caça por porco e tacaram melaço de cana no negócio.

Os Boston baked beans –a cidade de Massachusetts é famosa pela receita– são doces no limite do intolerável. Eu os provei nos EUA e, talvez por isso, pensava que os feijões ingleses fossem igualmente intragáveis.

Não são.

Aqui, os baked beans chegaram por meio da própria Heinz, companhia americana com operação em muitos países (inclusive o Brasil). "A fábrica da Heinz em Wigan, norte da Inglaterra, é a maior planta de processamento de alimentos da Europa e produz cerca de 3 milhões de latas de feijões por dia", diz o texto da Economist.

Os baked beans são feijões brancos pequenos, de uma variedade conhecida aqui por haricot ("feijão", em francês). Nos Estados Unidos, os mesmos feijões se chamam navy beans.

Eles vêm num molho de tomate não muito doce –menos doce do que ketchup, por exemplo– e são tipicamente comidos sobre torradas, no café da manhã. Costumam figurar no full English breakfast, um festim matinal que inclui também bacon, ovos, linguiça, chouriço de sangue (black pudding), tomates assados e cogumelos.

Em uma semana de Londres, tomei duas vezes esse desjejum titânico. E, vou dizer, é bom demais.

Se você pensar além da rotina bitolada, dos mesmos hábitos que se repetem em modo automático, verá que não há nada de bizarro ou extraordinário em comer feijões pela manhã.

O desjejum completo dos ingleses é uma tradição que vem de trabalhadores braçais que acordam muito cedo e precisam de muita energia para as tarefas do dia. Aqui eles comem feijão com chouriço, no Nordeste do Brasil comem-se inhame, abóbora e tripas fritas.

Cada cultura define o que é comida adequada para o café da manhã com critérios que, para quem vê de fora, parecem aleatórios. Japoneses comem peixe em conserva. Para os americanos, ovo é comida matinal, sempre. Eles estranham ovos no jantar, por exemplo.

No Rio Grande do Sul, o café da manhã rural admite o feijão campeiro. São feijões pretos com nacos de porco, quase uma feijoada expressa, que eu provei e aprovei no Parador Hampel, em São Francisco de Paula.

Caso sejam os gases causados pelo feijão o motivo da estranheza, pense: a manhã é a melhor hora para gerá-los e dispensá-los na atmosfera.

O problema é comer feijão no jantar.

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