Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu alimentação

Safári humano na rua Oscar Freire

No luxo dos Jardins, sorvetes e influenciadores, hot dogs e turistas deslumbrados, trabalhadores e milho com margarina

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São Paulo

Salto do ônibus no Conjunto Nacional, desço a rua Augusta e quebro à esquerda na Oscar Freire. São quase cinco da tarde de um dia de semana qualquer, e eu me encaminho à sorveteria Bacio di Latte, onde fui chamado para o lançamento de um certo festival do pistache.

Quase chegando lá, ouço me chamarem do outro lado da rua. Era Oscar Bosch, chef catalão, baita cozinheiro, gente finíssima, dono do premiado restaurante Tanit, ali mesmo.

Oi, tudo bem, tá sumido... a breve conversa me faz pensar que de fato sumi daquelas bandas. Não só pelo meu histórico de espeleologia social (o oposto do alpinismo social) nos anos mais recentes.

Hot dog da lanchonete PoPa
Hot dog artesanal da lanchonete PoPa, na rua Oscar Freire, Jardins - Marcos Nogueira

Eu já não me sinto à vontade na rua Oscar Freire. Quero vazar o quanto antes. Não sei se a rua mudou, mas eu decerto mudei um tanto.

Entro na sorveteria e me oferecem um espumante, depois um negroni, nada mau para o horário. Percebo que os convidados não conversam entre si, estão todos ensimesmados na produção de vídeos de caras, bocas e creme de pistache.

São influenciadores.

Como meu doce e vou ao banheiro. Na saída, vejo uma mulher fazendo selfies junto à pia do lavatório. Estava na minha hora de ir. Tinha outro compromisso no centro, o metrô era meu destino.

Logo dou de cara com a esquina mais incômoda da chique Oscar Freire, a da rua Peixoto Gomide. Lá tem um predinho bonito, mas todo escalavrado, pichado, detonado. Sua história não é nada bela.

Uns 15 anos atrás, um investidor comprou todo o prédio para transformá-lo em hotel boutique. Todo não, perdão: dois moradores se recusaram a vender. A empresa, então, teria chamado um grupo de sem-teto para invadir o edifício e forçar a saída dos rebeldes.

Não sei do destino dos antigos moradores, mas os sem-teto ainda estão lá, chaga purulenta na branca tez dos Jardins.

Ando mais um pouco e passo por um comércio que se define como bolacharia gourmet.

No café em frente ao hotel Emiliano, toneladas de gente branca falando português e inglês, às vezes misturado.

No quarteirão seguinte paro para finalmente experimentar o cachorro-quente do PoPa, que produz artesanalmente tudo o que vai no sanduíche: o pão, a salsicha, a mostarda, o ketchup.

Enquanto devoro meu dogão gourmezaço (é, sim, tão bom quanto dizem), sou reconhecido por uma mulher em outra mesinha.
"Você tem aquele programa na TV?"

"Tenho, sim."

"Então, você está com a barba cheia de parmesão ralado."

Mais uma deixa para seguir andando.

Na mesma quadra, relíquias vivas da gastronomia paulistana: a primeira filial do Almanara fora do centro da cidade e o Frevo, que a especulação empurrou para o outro lado da rua.

Tenho flashes de esfihas e beirutes, de almoços de família quando, ao menos na minha cabeça, aquela região não era tão besta. Ou eu era mais besta, dá na mesma.

Andando à minha frente, um casal de cariocas está deslumbrado com a manutenção do calçamento. "Poderia ter calçada assim em todas as ruas do Leblon, não"?, diz ele para ela.

Do meu lado direito, o camelódromo mais ajeitado que já vi na vida. Aqui é Jardins, tá ligado?

Alguns passos adiante, sou abordado outra vez, agora por uma assessora de imprensa que não via desde o tempo em que fui editor de revista masculina. Ela me chama para conhecer a loja de um importadora, que está sendo aprontada para uma degustação de vinhos.

Não me convida para ficar. Eu não poderia ficar, de qualquer modo.

Apresso o passo na direção da avenida Rebouças.

Percebo que, a cada quadra que avanço, cresce o número de pessoas caminhando na mesma direção, em passo ainda mais apressado.

São funcionários de lojas, salões de beleza, pet shops, estúdios de pilates e clínicas de harmonização facial. O combustível da máquina do Jardins.

Na cara do metrô, um mercado Dia% para abastecer a volta dos trabalhadores. E o infalível carrinho de milho com margarina.

É muito variada a gastronomia da rua Oscar Freire.

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