Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu alimentação

A jequice global dos restaurantes de São Paulo

A cidade tem uma magia infalível: transforma filiais de casas estrangeiras num concentrado de cafonice e deslumbramento

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Londres

Na adolescência, cheguei a pegar a rebarba de uma época em que os cardápios dos restaurantes chiques em São Paulo vinham em francês, sem tradução.

Pior: apenas os cardápios entregues aos homens vinham com os preços da comida. Pior ainda: às vezes, nem isso. Se você quisesse saber o quanto iria pagar, precisava se sujeitar ao constrangimento de perguntar ao garçom, na frente da mais pura moça-donzela que você convidara para jantar.

São Paulo era mais caipira. O Brasil era mais caipira. O mundo era mais caipira.

Ou talvez não.

Simone de Beauvoir trabalhando no Les Deux Magots, 1944
Simone de Beauvoir trabalhando no Les Deux Magots, em 1944, imagem do livro "Simone de Beauvoir, Uma Vida" - Robert Doisneau/Gamma-Legends Coleção/Getty Images

O mundo, todo conectado, encontrou meios de conciliar o provinciano e o cosmopolita. A jequice globalizada de manifesta de maneiras distintas na Europa, nos Estados Unidos e, claro, no Brasil. São Paulo é um caso fascinante desse fenômeno.

Acabo de saber da abertura de uma filial paulistana do Les Deux Magots, café histórico de Paris. Lugar que se autodenomina "café literário", pois frequentaram-no Camus, Hemingway e o casal Beauvoir-Sartre, entre tantos.

Fica em Saint-Germain-des-Prés, zona à esquerda do Sena cuja aura boêmia há muito foi convertida em capital turístico. Ainda assim, um lugar menos afetado do que as partes aristocráticas da Rive Droîte.

A filial paulistana está numa pracinha da rua Colômbia, nome que a rua Augusta ganha depois de atravessar a Estados Unidos. É onde os Jardins não têm mais prédios, apenas casas enormes. É onde pobre não tem o que fazer além de faxinar e podar arbustos.

São Paulo tem um toque de Midas peculiar quando se trata de restaurantes estrangeiros que lá se instalam. Tudo vira cafonice e deslumbramento.

Chegou o Pain Quotidien, padaria demi-bouche de origem belga, e causou frisson. A confeitaria do Buddy Valastro, famoso mundialmente por fazer bolos temáticos bizarros sem outro predicado especial, se tornou ponto de romaria dos instagrametes.

Até o Outback, programa dos Bart Simpsons da vida nos EUA, ganhou status de restaurante para uma saída especial.

Voltemos ao café francês.

Em Paris, o Deux Magots virou arapuca turística de luxo, com preços conformes, para viajantes com desodorante vencido. Em São Paulo, será zoológico de gente rica e de amante de parlamentar dos rincões do Brasil. Preços igualmente conformes, por óbvio.

O site francês exibe primeiro o cardápio em inglês. O cardápio brasileiro vem com os nomes em francês grandões, lupa para conseguir ler a versão brasileira.

E, por falar em ler, o café literário dos Jardins deverá sediar acalorados debates intelectuais sobre clássicos contemporâneos como "Pai Rico, Pai Pobre" e "A Sutil Arte de Ligar o F*da-se".

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