Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

Descrição de chapéu alimentação

A linda banana canadense e a picanha triste de Londres

Ao viajar para longe, esqueça as frutas tropicais e o churrasco: insistir na alimentação de casa não é muito esperto

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Londres

O TikTok, que nunca decepciona, nos entregou o vídeo de um influenciador brasileiro a recitar loas para uma banana vendida no Canadá.

"Olha só que beleza que são as bananas canadenses", afirma o tal Lord Vinhateiro, em vídeo feito na cidade de Vancouver. "Ó, lisinhas!"

Ele parece encantado com a aparência da casca da fruta. Nas suas palavras, sem perebas, erupções cutâneas ou estrias.

Picanha à venda no supermercado Marks and Spencer, em Londres
Na Inglaterra, como no Brasil, a picanha vem com alarme que apita se você tentar levá-la na mão grande - Marcos Nogueira

Apesar do tom irônico da fala, dá a impressão de que o sujeito pensa mesmo que a banana do Canadá é superior à banana do vale do Ribeira. Porque a fruta brasileira não é tão bonita, ela tem manchas pretas na pele.

Uma tremenda asneira.

Da penúltima vez que vim a Londres, um erro na reserva da hospedagem me fez ser recompensado com um hotel de cinco estrelas em Mayfair, chique no último. Chegando lá, havia uma cesta de frutas com bilhete de boas-vindas.

Eram a frutas mais bonitas que havia visto. Maçã igual à da Branca de Neve. Banana perfeita como as de Vancouver. Mordi uma, mordi outra. Nenhuma tinha gosto de coisa alguma. Foram as duas para o lixo.

O Waitrose, supermercado mais perto de onde eu moro, só vende vegetais lindos. Tudo lustroso, verdejante, viçoso, liso, com cara de coisa cenográfica, feita de cera. Pimentões de cera, melões de isopor, ameixas de plástico.

O consumidor dos países ricos não aceita alimentos com aparência feiosinha, de pobre. Isso, como dá para deduzir, redunda num desperdício colossal.

Quanto às frutas tropicais, tem outra coisa: elas sempre vêm de longe e precisam aguentar a viagem.

A banana do tiktoker tem uma etiqueta da Dole, megacorporação de frutas que começou com abacaxis havaianos: eles vendem bananas da Costa Rica, Colômbia, Equador e Peru, nenhuma do Canadá.

Para controlar o estoque no decorrer do ano, os distribuidores de fruta recorrem a truques da física (temperatura e luz) e da química (gases que induzem à maturação no tempo desejado). Por isso que tem fruta de todo tipo o tempo todo.

Não é esperto querer comer banana na Inglaterra ou no Canadá. Aqui, os mirtilos e as framboesas são o que há.

Quando você viaja para um país distante, insistir em manter a alimentação de casa é uma teimosia estúpida. Você paga mais caro e leva comida sofrível.

Mas o povo insiste em sonho de valsa, paçoca (aqui tem, mas foi contrabando, depois eu conto), biscoito recheado de segunda e achocolatado de quinta. Tudo meio velho e superfaturado.

Pensei nisso quando topei com um bife etiquetado como picanha no Marks and Spencer, outro varejista inglês. Bifinho miúdo, mirrado, triste, carne inglesa, sem capa de gordura. Nem vi o preço –baixo nunca é– porque nem cogitei comprar.

Não estou no Brasil. Volto logo, mas por enquanto tento comer do melhor jeito possível aqui, o que não inclui picanha nem banana.

Voltando rapidinho às bananas canadenses, é errado dizer que elas não existem. Pesquisei e vi que há uns malucos com uma fazenda indoor em Ontario, onde também produzem mamão, maracujá e goiaba.

Deve ser tudo, ó, uma bela porcaria.

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