Cozinha Bruta

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Churrascaria brasileira deixou de ser referência mundial

Na lista de restaurantes do 50 Best Latin America, há duas casas especializadas em carne na brasa: uma argentina e uma peruana

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São Paulo

O terceiro melhor restaurante da América Latina, segundo o ranking 50 Best divulgado na terça-feira (28), é uma churrascaria.

O Don Julio, no bairro de Palermo Viejo, em Buenos Aires, destoa da pegada geral da lista. É uma casa tradicional com cardápio idem. Não inventa moda, não serve a comida em porcelana com design assinado, não se arroga nenhuma espécie proposta gastronômica.

É uma parrilla –em que pesem discutíveis diferenças conceituais entre parrilla e churrasco, tratarei os termos como sinônimos.

Mesa do restaurante argentino Don Julio, em Buenos Aires, um dos favoritos ao primeiro lugar do 50 Best América Latina em 2023
Mesa do restaurante argentino Don Julio, em Buenos Aires, terceiro lugar no 50 Best Latin America em 2023 - Divulgação

Fui uma vez ao Don Julio, muito tempo atrás. Era um lugar de carnes mais arrumado do que a média portenha e, confesso, não trago lembranças muito nítidas da experiência (¡el vino!). Não me impressionou –se houvesse, eu certamente me lembraria.

Enfim, temos uma churrascaria argentina na terceira posição e, lá no 33º lugar, o peruano Osso –restaurante de carne com filial em São Paulo.

Nenhum premiado do Brasil é especializado em churrasco. Não acho que deveria ou precisaria ser, mas isso ilustra um fenômeno dos anos recentes: o declínio da cultura brasileira de churrascarias.

A referência mundial em carne é argentina –na lista global, o Don Julio ocupa a 19ª posição. Até aí tudo bem, sempre foi uma rivalidade ferrada, mas... Peru? O Peru nunca foi exportador de carne bovina. Pelo contrário, importa de nós.

Isso ocorre num momento em que a carne brasileira atinge o pico histórico de qualidade. Só que o mundo não quer saber do nosso churrasco. Honestamente, nem o Brasil prestigia o próprio churrasco.

É só olhar a série histórica de listas de melhores restaurantes de São Paulo. Até alguns anos atrás, elas davam destaque a casas como o Rubaiyat e o Varanda. Esses continuam em pé, envelhecidos mas ainda em forma, e não surgiu uma nova geração de steakhouses para substituí-los.

O que apareceu no lugar foram eventos de comilança pantagruélica como a Churrascada, que mais tarde abriria um ponto fixo no Morumbi.

O Brasil vive as consequências de suas decisões passadas. Aqui apostou-se quase tudo no sistema de rodízio, que foi rapidamente da euforia à exaustão.

Hoje o espeto corrido não é um fiapo do que era nos anos 1990. Nas capitais brasileiras, perdeu a opulência dos bufês de granito e vivem em promoção; no exterior, são uma curiosidade étnica a mais.

Quanto à carne preparada na brasa e servida à la carte, no Brasil ela foi terceirizada para as parrillas argentinas e restaurantes de especialidades variadas. O grelhado não morreu, a churrascaria é que está mal das pernas.

Enquanto isso, a Argentina segue firme forte com restaurantes em que as pessoas vão para jantar carne com uma saladinha ou fritas.

O Brasil escolheu o caminho da fartura, dos rodízios e das churrascadas. Não há problema algum nisso –a menos que tratemos de premiações e rankings internacionais.

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