Cozinha Bruta

Comida de verdade, receitas e papo sobre gastronomia com humor (bom e mau)

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A quem serve a crítica gastronômica do Instagram?

Mecanismo das redes sociais estimula o julgamento categórico e cruel de restaurantes que desagradam o resenhista

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São Paulo

A crítica gastronômica não vive seu melhor momento, disso todo mundo sabe.

Também é sabida a razão da crise: a profusão de conteúdo gratuito na internet e o declínio das mídias tradicionais, duas extremidades do mesmo fenômeno.

Entre a crítica profissional combalida e os influenciadores movidos a convites e mimos, surge um pequeno grupo que se apresenta como a salvação da lavoura.

Anton Ego, o implacável crítico gastronômico do desenho animado Ratatouille
Anton Ego, o implacável crítico gastronômico do desenho animado Ratatouille - Divulgação/Pixar

São os autodenominados críticos independentes, que usam o Instagram para escrever longas resenhas de restaurantes.

Essas pessoas não recebem para criticar. Tiram o sustento de outra atividade e, em tese, avaliam restaurantes por diletantismo, pagando as refeições com o próprio dinheiro.

Em geral, gente que se jacta de ter viajado para 827 países, com 59 estrelas Michelin visitadas em cada um deles.

Afirmam conhecer profundamente a degustação técnica e, para embasar a alegação, arrolam cursos de gastronomia e vinho na descrição do perfil.

Mesmo quando o nome do autor é omitido. Alguns optam pelo anonimato, sob justificativa de poder circular invisível pelas casas de pasto. (Como se a fofoca não corresse feito rastilho de pólvora no minúsculo meio da gastronomia.)

Não devem satisfação a ninguém, dizem.

Assim, não têm amarras para emitir opiniões fortes.

As resenhas de Instagram emitem julgamentos peremptórios, em especial quando a impressão do crítico é negativa.

Expressões como "buraco obscuro", "contração cadavérica", "cafona", "medonha" e "gororoba" saem com naturalidade dos teclados desses críticos.

Parte da audiência protesta contra a crueza das palavras empregadas; o restante do vilarejo vai para a praça empunhando suas tochas. O linchamento é o deleite das redes sociais.

Independência é um atributo muito fácil de se arrogar, em especial quando não há verificação possível.

Não acredito em isenção ou objetividade na crítica –seja de música, seja de cinema, seja de bolo de cenoura. Amparado por critérios técnicos (eles existem, por óbvio), o indivíduo manifesta opiniões carregadas de certezas subjetivas.

E sempre há o risco de manipulação das palavras para favorecer ou prejudicar alguém, por interesse próprio ou alheio.

No jornalismo profissional, esse desvio de função encontra alguns obstáculos.

O texto é lido por editores antes da publicação. Mais relevante, o autor se acosta à reputação do veículo.

Se eu escrevo alguma barbaridade aqui, é a Folha quem dá a cara a tapa. E haverá consequências para mim.

Nas resenhas independentes, o resenhista toca na banda do eu sozinho. Mas que pito toca? A que senhor serve? Não se sabe, mas podemos especular.

Na hipótese mais benigna, serve aos deuses das mídias sociais. Frases cuidadosas não geram engajamento. Rankings e pauladas cruéis rendem likes e comentários e compartilhamentos e mais seguidores.

Os deuses gostam de treta e põem o conteúdo em destaque. O autor sente-se motivado a queimar outras aberrações em praça pública.

Este é o outro lado da independência absoluta.

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