Cozinha Bruta

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Descrição de chapéu alimentação

'Super Size Me' mudou a fast food para menos pior

Antes do documentário, cardápio das lanchonetes era veneno puro; depois dele, é veneno com palitos de cenoura crua

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São Paulo

Em nenhum momento, nos últimos 20 anos, ocorreu-me o seguinte pensamento: "Por onde andará aquele fulano que passou um mês comendo McDonald’s para fazer um filme?"

Quanto à vida e à obra de Morgan Spurlock, morto de câncer na sexta-feira (24), meu conhecimento além de "Super Size Me – A Dieta do Palhaço" tendia a zero.

Vi o documentário na época do lançamento e nunca mais pensei no sujeito. Até o anúncio de sua morte, que me motivou a pesquisar um pouco sobre ele.

O cineasta Morgan Spurlock em foto de divulgação do documentário "Super Size Me - A Dieta do Palhaço". - Divulgação

Imagino que tenha sido parecido para a maioria das pessoas que viram o filme em 2004.

Porque de fato não há nada mais de muito relevante no currículo de Spurlock. Ele foi aquilo que, no meio musical, chamam de "one hit wonder" –artista de um sucesso só.

Ocorre que o sucesso de "Super Size Me" transcendeu as métricas de público e arrecadação.

Não é exagero dizer que o filme –portanto, o cineasta também– ajudou a mudar a fast food para menos pior. Que artista, que profissional nunca sonhou em mudar o mundo, mesmo que só um pouquinho e num pedacinho bem específico?

Pois é, Morgan Spurlock mandou essa. Com um filme só.

Voltemos no tempo 20 anos para entender como era o mundo de "Super Size Me".

Documentários bombásticos, com denúncias devastadoras de diretores militantes, estavam muito em voga.

Dois anos antes, em 2002, Michael Moore havia feito estardalhaço gigantesco com seu "Tiros em Columbine", que explorava os atentados em escolas para esculachar a cultura armamentista nos Estados Unidos.

O estilo gonzo, sarcástico, truculento e enviesado de Moore influenciou muitos documentários subsequentes, inclusive "Super Size Me".

Spurlock levou ao cúmulo a fusão de diretor e personagem. Em vez de atacar com grosseria, como Moore, colocou-se como vítima de um suplício que ele mesmo inventou.

Passou 30 dias fazendo as três refeições diárias no McDonald’s. Sempre acatou a sugestão do atendente para aumentar o tamanho da porção ou incluir mais itens no pedido.

Engordou, adoeceu e até broxou com a namorada.

"Super Size Me" foi alvo de muitas críticas, que viraram munição da indústria da fast food.

A mais contundente, claro, dizia respeito ao fato de que nenhuma pessoa no mundo (vá lá, fora dos EUA) pratique essa dieta maluca.

Além disso, Spurlock não conseguiu (ou não quis) comprovar que seguiu à risca a premissa do filme. Algum tempo mais tarde, admitiu que bebidas alcoólicas entravam na tal dieta, longe das câmeras.

Mesmo cheio de buracos, o discurso causou um rombo na reputação das lanchonetes. Pouco depois de "Super Size Me", o McDonald’s deixou de oferecer as porções gigantes de fritas.

Desde então, todas as redes de fast food se esforçam para diminuir a insalubridade de seus cardápios. Na percepção do público, pelo menos.

Morgan Spurlock não foi um gênio nem um herói. Ele foi um cara esperto que calhou de surfar com destreza a onda do zeitgeist. Isso não tira seu mérito.

Antes dele, a fast food era puro veneno. Depois dele, é veneno com saladinha verde e palitos de cenoura crua.

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