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Luiza Pastor

Fechada para manutenção, Serra Fina faz balanço de primeiro ano sob gestão privada

Dois anos após incêndio, mudanças no acesso incluem cobrança e limite de visitantes

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Um dos destinos mais cobiçados para carimbar o currículo de montanhistas brasileiros, a travessia da Serra Fina, na serra da Mantiqueira, está fechada ao público até 1° de abril do próximo ano. A decisão de interromper o acesso foi tomada pela APSF (Associação dos Proprietários da Serra Fina), que reúne os donos de terrenos que dão acesso a toda a extensão da serra e suas trilhas, e tem o objetivo declarado de garantir a recuperação da vegetação local e implementar melhorias identificadas como necessárias na última temporada. Não menos importante, visa evitar acidentes durante o período de mais chuvas.

Platô do topo da Pedra da Mina, na Serra Fina
Platô do topo da Pedra da Mina, na Serra Fina - André "Intentor" Martins/Divulgação @intentorgraphy

"Na temporada deste ano, que começou em junho passado e se encerrou em 30 de setembro, tivemos 1.857 visitantes e 194 guias percorrendo a Serra Fina", conta José Sávio Monteiro, vice-presidente da APSF e gestor da RPPN (Reserva Particular do Patrimônio Natural) Pedra da Mina, onde fica o cume. "E não houve necessidade nem uma vez de acionar o resgate", acrescenta.

O destaque não é à toa. A procura pela travessia e, em especial, pela Pedra da Mina, se intensificou a partir da oficialização, no ano 2000, de seu status de quarta mais alta montanha do país, com 2.798 metros de altitude. "Desde então, o número de montanhistas aumentou em progressão geométrica", conta Monteiro. Em 2010, cerca de 500 pessoas visitaram a Pedra da Mina e assinaram o livro de cume. Em 2019, já foram 3.000 —com um total de 19 acionamentos de resgate.

"Esse era um volume desregulado e desordenado de pessoas que se concentravam principalmente em finais de semana e feriados, o que acabava fazendo com que nas áreas de acampamento muitos devastassem mais mata para abrigar mais barracas", explica.

Entre os exageros registrados, Monteiro lembra do feriado de Corpus Christi de 2019, quando 500 pessoas assinaram o livro do cume na Pedra da Mina. "O levantamento ideal, feito com apoio de especialistas e do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), nos indicou que a capacidade máxima de acampamento para acesso à Pedra da Mina é de 15 barracas de até 2 pessoas cada", cita ele. Esse foi, portanto, o limite de autorizações estabelecido pela associação na temporada que passou, primeira em que a entidade pôde cobrar ingresso e estabelecer regras de acesso à região fixas para cada tipo e valor de voucher contratado.

As restrições e a cobrança do acesso chegaram a gerar críticas de alguns montanhistas e guias, mas Monteiro minimiza essas reações explicando que guias locais e atletas da região que treinam na montanha têm o acesso gratuito liberado mediante cadastro prévio, e que as medidas são praticadas em grandes trilhas de todo o mundo. Além disso, ao praticarem valores menores para o acesso em dias de semana, o número de visitantes se diluiu, atraindo grupos para períodos em que, antes, eram menos procurados.

O controle e a cobrança do acesso à Serra Fina acabaram sendo impulsionados pelo incêndio que devastou mais de 500 hectares em julho de 2020 e que, segundo as investigações realizadas, teria sido provocado por uma fogueira mal apagada em um acampamento. Fechada desde aquele mês para recuperação do ecossistema, a região acabou se beneficiando das medidas de isolamento social e conseguiu dois anos de folga, livre de visitantes.

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Bombeiros combate incêndio que devastou mais de 500 hectares da Serra Fina em julho de 2020 - Corpo de Bombeiros/Divulgação

"A ideia de criarmos uma associação para proteger a Serra Fina começou a ser gestada em 2001, porque os acessos e saídas ficam todos em áreas privadas", conta Monteiro. Mas foi só com o hiato pós incêndio que a entidade saiu do planejamento para a realidade, depois de terem sido avaliadas ao longo de anos diversas opções que não conseguiram viabilização, como a criação de um parque nacional.

Para o presidente da ASPF, José Antonio Cintra, que controla a saída da trilha área Nativa Serra Fina a menos de 50 metros da porta de sua casa, o controle do número e do perfil dos visitantes vem sendo fundamental para o que considera ser o objetivo maior da entidade: a preservação da região. "O trabalho que fazemos aqui está sendo considerado um exemplo de PPP (Parceria Público-Privada) porque esta área de proteção ambiental era a que menos tinha proteção, e no modelo atual permite seu uso sustentável", explica.

Três homens brancos, José Savio Monteiro e José Antônio Cintra, vice-presidente e presidente da Associação dos Proprietários da Serra Fina, e Fábio Farraco, chefe do Núcleo de Gestão Integrada da Mantiqueira
José Sávio Monteiro e José Antônio Cintra, respectivamente vice-presidente e presidente da Associação dos Proprietários da Serra Fina, e Fábio Faraco, chefe do Núcleo de Gestão Integrada da Mantiqueira - Divulgação

O trabalho de manejo da região e da sinalização das trilhas, com o logo da Transmantiqueira, segundo Cintra, foi todo custeado pelos associados com recursos próprios, ajuda de "vaquinhas" e voluntários. Para a manutenção do trabalho de manejo e implementação de melhorias no futuro, a entidade conta com a cobrança dos ingressos.

"Precisamos ter recursos para viabilizar os novos serviços que foram sugeridos por montanhistas, guias, bombeiros etc", explica. Entre as melhorias instaladas em sua propriedade, ele cita o biodigestor para descarga dos shit tubes dos visitantes, item obrigatório para as travessias. E, para a próxima temporada, estão previstas placas com QR Code, sugeridas pelos bombeiros de Minas Gerais e São Paulo, que orientarão os visitantes nas áreas de maior risco e que, em caso de necessidade, passarão às equipes de resgate a localização exata dos demandantes. Com o objetivo de orientar os montanhistas, também está prevista a instalação de estações meteorológicas que monitorarão o tempo na região.

"Claro que nem tudo foi perfeito, mas foi só o primeiro ano, foi tudo novidade, da vontade de fazer diferença", afirma Cintra, acrescentando que "é preciso evoluir para que os problemas não se repitam".

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