É Logo Ali

Para quem gosta de caminhar, trilhar, escalaminhar e bater perna por aí

É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu escalada

Projeto social que democratiza escalada em São Paulo tromba com burocracia e muda de endereço

Com interdição da Pedra do Francês, no Morumbi, ação que atende jovens sob medidas sócio-educativas vai prosseguir em uma pedreira do Jaraguá

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quando adolescente, morador da periferia paulistana do Capão Redondo, na zona sul da cidade, Alexandre Gazinhato entrou para o escotismo. Lá, se interessou por montanhismo e, em especial, pela escalada. Só que esses eram, então, como até hoje, esportes praticados por meia dúzia de privilegiados, a maioria estrangeiros ou filhos de imigrantes, com dinheiro para comprar os equipamentos. Com o tempo, formado em engenharia civil e especializado em segurança de trabalho, Gazinhato —mais conhecido como "Francês" por causa do sotaque que vinha da família italiana e que, para a vizinhança, "era tudo a mesma coisa"— aprendeu a escalar, viajou para a Itália e, nos Alpes, aperfeiçoou sua prática. De volta ao Brasil, resolveu dar a mais adolescentes a oportunidade de se iniciar na atividade. Nasceu assim o instituto social (CAB) Clube Alpino Brasileiro.

Jovens têm noções básicas de escalada na Pedra do Francês, no Morumbi, antes da interdição para a prática
Jovens recebiam noções básicas gratuitas de escalada na Pedra do Francês, no Morumbi, antes da interdição para a prática - Divulgação

O primeiro projeto do CAB, já pensado para fomentar o gosto pelo montanhismo entre jovens que a ele não tinham acesso, foi o aproveitamento de umas paredes de pedra localizadas na praça Eduardo Ambuba, no Morumbi. Ali, com os demais membros do clube, começou a ensinar a todos os interessados que passassem por ali, mas em especial a adolescentes que estivessem sob medidas sócio-educativas e que eram levados até o local pelas instituições responsáveis por eles, os princípios mais elementares da escalada. Só que, como conta Francês, foi aí que a coisa se complicou.

Jovens recebendo noções básicas de escalada, antes da interdição da Pedra do Francês, no Morumbi
Jovens recebendo noções básicas de escalada, antes da interdição da Pedra do Francês, no Morumbi, em praça rodeada de condomínios de luxo - Divulgação

"Por pressão de vizinhos de condomínios de luxo da região, acabaram cercando a praça durante a pandemia e nos proibiram de utilizar as vias já instaladas com nossos equipamentos para as aulas, até hoje as chapeletas para passar as cordas seguem lá, mas não podemos usar, nem sequer acessar a área", explica ele. Apesar de contar com laudos de especialistas encaminhados à subprefeitura e à reportagem, garantindo que as paredes de pedra eram seguras o bastante para a prática básica, a Prefeitura acabou interditando o acesso a todo o perímetro que era utilizado, usando como pretexto justamente uma pretensa falta de segurança da rocha.

Placa da Subprefeitura de Campo Limpo informa a interdição da escalada na Pedra do Francês, no Morumbi
Placa da Subprefeitura de Campo Limpo informa a interdição da escalada na Pedra do Francês, no Morumbi - Divulgação

Questionada, a Secretaria Municipal das Subprefeituras, por meio da Subprefeitura Campo Limpo, informou em nota que, ao contrário do que afirmam os laudos técnicos encaminhados pela reportagem e que estão em mãos do órgão desde 2019, "a referida rocha não possui características geológicas favoráveis que permitam a escalada com segurança", e que a praça é atualmente alvo de "um projeto de revitalização do espaço público com medidas de segurança para que seja feito um local de contemplação da referida pedra".

Ou seja, nada de subir pelas paredes do Morumbi, molecada. Só vai poder olhar, depois que a tal revitalização for terminada.

Com a interdição, e cansado de discutir burocracia com a alcaidia, Francês arrumou outro espaço para levar sua atividade —uma pedreira no bairro do Jaraguá, na zona norte da capital, não muito distante do parque estadual do mesmo nome. Treinos e cursos em pedreiras são frequentes em países com maior tradição do esporte, mas no Brasil ainda são raras as autorizações, e, na prática, ele admite que tudo ainda está correndo de forma bem informal na área. Entretanto, até que alguém venha atrapalhar, e com a ajuda de doações de equipamentos e de um providencial trator emprestado pela subprefeitura local, a estrutura para receber os curiosos que não querem ou não podem pagar as caras horas da escalada indoor podem ter o gostinho da coisa de forma totalmente gratuita e lúdica.

Membros do Clube Alpino Brasileiro dão os toques finais nas vias que receberão o projeto social de escalada na pedreira do Jaraguá, em São Paulo
Membros do Clube Alpino Brasileiro dão os toques finais nas vias que receberão o projeto social de escalada na pedreira do Jaraguá, em São Paulo - Divulgação

"Com a valiosa ajuda do trator, que nos foi emprestado mesmo sem a autorização formal de uso do espaço, conseguimos limpar toda a área e deixar a rocha pronta para a atividade de forma segura, e vamos insistir para criar uma verdadeira cultura de montanhismo no Brasil, que pode ser mais uma ferramenta social de inclusão sem elitismo para crianças e adolescentes que não têm muitas oportunidades", explica o teimoso Francês, que espera estender as cordas no Jaraguá a partir de junho próximo, aos domingos de manhã, com acesso pela avenida Raimundo Pereira, no número 10.500.

"Aquele lugar é a cara de São Paulo, não vamos desistir", afirma, orgulhoso. O blog torce para que a vida real concorde com ele.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.