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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu escalada

Para voltar ao Himalaia, Thais Cavicchioli escalou quatro vulcões no México

Montanhista tem como meta escalar os 6.812 metros do Ama Dablan, no Nepal,

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A pessoa irrequieta acaba de voltar do Nepal, e decide se preparar para uma nova escalada naquelas bandas, mais especificamente aos 6.812 metros de altitude da montanha Ama Dablan, fazendo o quê? Subindo quatro vulcões no México. Esse treino atípico foi o projeto encarado pela montanhista Thais Cavicchioli, que este ano ganhou o prêmio Mosquetão de Ouro, da Confederação Brasileira de Montanhismo, por ter enfrentado sozinha mais de 200 quilômetros de trekking pela cordilheira do Himalaia —mas sem escaladas.

Na verdade, ela conta que não foi bem sua a escolha de ir para o México, em geral mais associado no imaginário popular a praias, margaritas e pirâmides de Teotihuacan. "Um amigo que foi companheiro de trilhas por três anos aqui no Brasil se mudou para lá e ia se casar, aproveitei a viagem e fui pesquisar o que poderia ajudar-me na preparação para voltar ao Himalaia", explica. "Não fui eu que escolhi o México, mas o México que me escolheu por meio da amizade", acrescenta.

Thais Cavicchioli inicia o ataque ao cume do vulcão Orizaba ao amanhecer
Thais Cavicchioli inicia o ataque ao cume do vulcão Orizaba ao amanhecer - Arquivo pessoal

Pesquisando possíveis destinos para sua animada mochila, Thais descobriu a possibilidade de ir a quatro vulcões de diferentes níveis técnicos, altitudes e dificuldades. "Meu objetivo na vida é escalar o Ama Dablan, mas eu precisava começar a aprender sobre escalada em gelo, e o mais alto ponto do México é o Orizaba, ou Citlaltepetl, que é seu nome original, e esse foi o projeto: apresentar a subida em gelo à Thais montanhista ali mesmo", diz.

Por indicação do amigo e experiente montanhista Pedro Hauck, Thais procurou o guia mexicano Iñaqui Herrasti, que começou a orientar sua preparação ainda no Brasil. "Desenhamos juntos um plano de aclimatação, porque o Orizaba, com 5.610 metros de altitude, seria minha primeira grande experiência em alta montanha com gelo", lembra.

Cratera do vulcão Ajusco, na área da Cidade do México
Cratera do vulcão Ajusco, na área da Cidade do México, coberto de vegetação - Thais Cavicchioli/Arquivo pessoal

O começo da empreitada seria subir ao vulcão Ajusco (3.930 metros), localizado dentro da Cidade de México e sem um pingo de neve ou gelo. "Isso foi muito interessante, porque no Nepal, com essa altitude, já encontramos neve, mas quando você chega ao cume desse vulcão e olha a cratera, tudo é bem verde, e no Himalaia não tem verde nenhum, só pedras", ressalta Thais.

Depois de Ajusco, a viagem seguiu para o Nevado de Toluca, a 4.680 metros de altitude. "É outro que, apesar de se chamar Nevado, com as mudanças climáticas, mesmo no inverno, raramente recebe alguma neve", conta. A subida ali "é mais técnica, muito bonita, mas com muitas pedras soltas, só que quando você chega ao cume, pode ver dentro da cratera dois lagos, do Sol e da Lua". Completado o circuito mais próximo à capital, a dupla seguiu em direção ao Orizaba ("Ah, chama ele de Citlaltepetl", insiste Thais). No caminho, encarariam ainda o La Malinche (4.461 metros), onde avistaram os primeiros sinais de neve.

Thais Cavicchioli no Nevado do Toluca, com os lagos do Sol e da Lua no fundo da cratera
Thais Cavicchioli no Nevado do Toluca, com os lagos do Sol e da Lua no fundo da cratera - Arquivo pessoal

"Bom, ali a coisa ficou bem mais técnica, muita trepa-pedra, paredões de rocha para escalador nenhum botar defeito, a neve em torno, muita emoção", lembra Thais. Para quem não está familiarizado com o jargão do montanhismo, trepa-pedra é o mesmo que escalaminhar. OK, mais claro ainda: engatinhar pelas pedras buscando apoio para dois pés, duas mãos e, não raro, das nádegas. Ninguém disse que montanha é fácil, disse?

Finalmente, chegaram ao Orizaba, ops, ao Citlaltepetl, com seu cume totalmente coberto de neve, exigindo o uso de crampons (ganchos metálicos que se prendem às botas para dar tração à escalada), piolet (uma pequena picareta que vai dando apoio para a ascensão) e encordamento dos escaladores. "A experiência de estar ligada por uma corda a outra pessoa, sabendo que se um de vocês escorregar é responsabilidade do outro segurá-la, é muito forte, você tem que aprender não só a andar no gelo, mas a cair e a se segurar na queda para não escorregar", afirma.

O guia de montanhismo mexicano Iñaqui Herrasti e a montanhista brasileira Thais Cavicchioli
O guia de montanhismo mexicano Iñaqui Herrasti e a montanhista brasileira Thais Cavicchioli no cume do vulcão La Malinche - Arquivo pessoal

"Nessa hora, apesar de todas as aulas, da preparação, senti muito medo, e o mais importante na montanha, além do aspecto técnico e físico, é o fator psicológico", aponta a montanhista. Para complicar um pouco mais a empreitada, Thais precisou enfrentar a famigerada maldição de Montezuma —uma tremenda diarreia que, segundo a lenda, teria sido praga do imperador asteca que, depois de receber o conquistador espanhol Hernán Cortés de braços abertos, foi por ele destronado e preso, no século 16. Até hoje, quem visita o México garante que a praga segue ativa.

"Então, além de ser minha primeira escalada em gelo, eu estava com cólica e tendo que encher meu shit tube com os efeitos da tal maldição", conta, divertida. Afinal, a política de nada deixar na montanha —cocô incluído e, convenhamos, principalmente— é fundamental como regra de respeito ao meio ambiente e aos demais montanhistas. "Imagina você ter que enterrar algo no gelo, no primeiro sol já derrete e fica aquilo lá, à vista..."

Depois de chegar ao cume do Citlaltepetl, Thais já está pronta para novos desafios. Principalmente o de chegar ao cume do Ama Dablan. Mas essa será outra história.

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