Percorrer a pé 500 quilômetros de trilhas na Chapada dos Veadeiros em pouco mais de duas semanas. Esse é o desafio a que se propuseram três trilheiros experientes, Mateus Matos, Guilhermy Maso e Márcio Nascimento, que no momento em que este texto subir ao site estarão iniciando uma expedição-piloto por uma região mais frequentemente percorrida por turistas em veículos 4x4. À volta do trio, deverá estar consolidado e delimitado o Caminho dos Veadeiros, mais nova adesão à Rede Brasileira de Trilhas de Longo Curso.
"O Caminho dos Veadeiros já existe como ideia há uns cinco anos ou mais, foi sendo implementada por algumas pessoas que foram acreditando e se juntando ao projeto", contou Matos ao blog em meio aos últimos preparativos para iniciar a caminhada. "O objetivo é nos divertirmos, claro, mas também conhecer mais ainda o cerrado, e produzir um relatório, como é feito nas expedições exploratórias, que será ferramenta estratégica na definição dos passos a serem adotados nos trechos, otimizando os esforços onde for preciso", acrescentou.
Saindo de Formosa e indo até Cavalcante, ambos municípios de Goiás, a rota vai conectar trilhas, estradas, estradinhas e pequenas comunidades que acompanham o relevo da Serra Geral do Paranã, com toda a diversidade do cerrado, bioma que bateu recordes de desmatamento nos últimos anos, com perda de 110 milhões de hectares, quase metade de sua área total, segundo dados oficiais do Prodes Cerrado, programa de monitoramento por satélite do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
Claro que vale lembrar que os caminhos da Chapada dos Veadeiros não são exatamente novos —novidade, no caso, será sua delimitação como trilha de lazer. Dos povos tradicionais aos bandeirantes no século 18, da missão Cruls (que em 1892 recebeu a incumbência de demarcar a área para um futuro Distrito Federal, liderada pelo engenheiro belga Louis Ferdinand Cruls) à coluna Prestes (movimento político-militar organizado pelo líder comunista Luís Carlos Prestes que percorreu o país entre 1925 e 1927), não foram poucos os que já enfrentaram os perrengues do cerrado.
Além dos nomes dos livros escolares, rotas menores que estão no caminho do atual traçado que o grupo está seguindo foram incluídas em todo ou em parte, como a Brasil Central, de 320 quilômetros, que liga o Distrito Federal a São Jorge, no município goiano de Alto Paraíso, consolidada em 2016 pelo montanhista baiano Orlandinho Barros, que a percorreu em 18 dias.
O percurso completo que for delimitado, entretanto, não será disponibilizado ao público de imediato. Segundo o analista ambiental Samuel Schwaida, que participa do apoio logístico do projeto a partir de seu amplo conhecimento da região, o traçado definitivo ainda depende da apuração in loco que fizer esta expedição, bem como da autorização de passagem de proprietários de áreas cruzadas pelo percurso.
"O Caminho dos Veadeiros vai representar um dos mais importantes eixos de conexão de paisagens do cerrado brasileiro, e terá a missão de conectar pessoas à natureza e à cultura local", conta Schwaida. Ele acrescenta que o projeto está "intrinsecamente ligado aos objetivos da Reserva da Biosfera do Cerrado pelo programa MAB – Homem e Biosfera da Unesco, das Nações Unidas".
Trocando em miúdos, a ideia é abrir uma opção que leve mais pessoas para a região de modo a consolidar "um grande corredor ecológico entre o Distrito Federal e a Chapada dos Veadeiros, protegendo paisagens, espécies e serviços ecossistêmicos".
Como costuma acontecer com trilhas de longa distância em todo o mundo, os 500 quilômetros do Caminho dos Veadeiros não serão um passeio no shopping. "É um desafio que exige preparo físico, mental, experiência prévia, conhecimento de equipamentos e técnicas e planejamento adequado", explica Schwaida, que participou com os outros três, nos últimos cinco anos, da identificação "tanto das rotas mais cênicas e naturais, quanto dos locais para pernoite, reabastecimento de água, ressuprimento de alimentos em pontos estratégicos do percurso, e mesmo áreas ambientalmente sensíveis que precisam ser evitadas".
Para facilitar a divulgação do trajeto e dar acesso a pessoas que tenham menos tempo ou mesmo preparo, a intenção do projeto é demarcar seções que permitam aos trilheiros percorrer, se não o percurso inteiro de uma só vez, trechos menores ao longo do tempo. "Será como um álbum de figurinhas, que vai sendo completado aos poucos", ressalta Schwaida.
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