É Logo Ali

Para quem gosta de caminhar, trilhar, escalaminhar e bater perna por aí

É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu escalada

Manoel Morgado, o primeiro brasileiro a completar a Grande Trilha do Himalaia

O médico de 67 anos que há 40 largou a carreira para seguir seu sonho, caminhou 1.425 km em 125 dias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Percorrer 1.425 quilômetros de trilha em 125 dias nunca é fácil para ninguém. Realizar essa jornada cruzando o Nepal pela cordilheira do Himalaia, com sua altimetria aguda e nevascas inesperadas, é para poucos. E se essa pessoa for um cidadão com 67 anos às costas, então, pode-se dizer que é uma boa e gloriosa façanha.

Esse é o caso do médico pediatra Manoel Morgado, montanhista há 40 anos, que um dia largou o diploma da Escola Paulista de Medicina para realizar o que considerava sua grande vocação: ir para as montanhas. "Na época, nem era tão frequente as pessoas irem para montanhas, Marte era mais conhecido que o Nepal para a maioria das pessoas", conta ele, lembrando o desconsolo do pai quando lhe contou que deixaria a carreira à qual havia dedicado tantos anos para seguir o sonho de viver de e para o montanhismo.

O montanhista Manoel Morgado no Sherpani Col, um passo de 6.150 metros de altitude na Longa Trilha do Himalaia
O montanhista Manoel Morgado no Sherpani Col, um passo de 6.150 metros de altitude na Longa Trilha do Himalaia - Arquivo pessoal

Apaixonado pelo Nepal, resolveu que seria lá onde desenvolveria sua nova profissão. Meteu a cara e mergulhou no país até se considerar experiente o bastante para montar seu próprio negócio. "Então, no começo, de outubro a novembro eu guiava pessoas no Nepal, de dezembro a fevereiro levava grupos para viagens mais espirituais e de ioga para a Índia, e voltava ao Nepal entre março e abril, até que consolidei meu negócio e fiquei só no Nepal, em viagens de aventura e ecoturismo", explica. A família, do outro lado do mundo, respirava aliviada —e resignada à perda de seu primeiro doutor.

À frente de uma das mais longevas agências que operam na Ásia, a Morgado Expedições, o ex-médico explica que a maioria de seus clientes é de pessoas na faixa de 40 a 50 anos, mas que cada vez mais é procurado por maiores de 60 e, até de 70 anos. "As pessoas estão chegando a essa idade mais saudáveis, o que é muito bom", comemora.

Trecho da Longa Trilha do Himalaia entre o Sherpani Col e o West Col, na região de Makalu
Trecho da Longa Trilha do Himalaia entre o Sherpani Col eo West Col, na região de Makalu - Arquivo pessoal

Em relação aos seus primeiros anos, Morgado conta que a grande diferença promovida pelo aumento da procura por turismo de aventura na região é a oferta de uma infraestrutura de apoio moderna, com água quente nos lodges (as hospedagens nos vilarejos mais percorridos dos Himalaias), acesso a internet e outros luxos nada desprezíveis quando se está entre os picos mais altos do planeta.

Só que isso costuma estar restrito ao circuito mais turístico da região, aquele que leva às montanhas badaladas, do Anapurna ao Everest, passando pelo Ama Dablan. Percorrer a GHT (Great Himalayan Trail, ou Grande Trilha do Himalaia) é um capítulo à parte, recheado de vários perrengues.

A decisão de percorrer a trilha delimitada pelo britânico Robin Boustead veio depois de Morgado ter completado a escalada dos cobiçados sete cumes mais altos de cada continente —Everest, 8.850m; Denali, 6.194m; Kilimanjaro, 5.895m, Elbrus, 5.642m; Vinson, 4.897m e Pirâmide Carstensz, 4.884m. O desafio tinha o charme adicional de permitir-lhe ser o primeiro brasileiro (e sul-americano) a completar o percurso que só foi definido nos primeiros anos deste século 21, juntando as muitas trilhas já conhecidas e percorridas a outras áreas onde, à falta de demanda turística, o caminhante precisa contar com os muitos quilos que representa levar comida, água e equipamento para acampar ao relento sob um dos climas mais instáveis do mundo.

A GHT, vale contar, tem o objetivo ambicioso de crescer, unindo o Butão ao Paquistão, cruzando toda a cordilheira do Himalaia, que recebe vários nomes ao longo do percurso. No dia em que a geopolítica e as rixas internacionais o permitirem, ela deve chegar a 3 mil quilômetros. E, ao contrário de outras trilhas de longa distância, como a Apalache (3.500 quilômetros), nos Estados Unidos, ou o mais modesto Caminho de Santiago (800 quilômetros) entre a França e a Espanha, essa representa um desafio mais rústico e exigente, que inclui escaladas técnicas a 6.200 metros de altitude e descidas a vales de 870 metros. Altimetria para pulmão nenhum botar defeito.

O sherpa Lhakpa, Vanessa Oliveira e Manoel Morgado, no campo base do Kangchenjunga
O sherpa Lhakpa, Vanessa Oliveira e Manoel Morgado, no campo base do Kangchenjunga, no Nepal - Arquivo pessoal

A primeira tentativa de completar a GHT não deu certo, explica Morgado, porque foi justamente no ano em que a pandemia fechou o país. Sem poder contar com apoio nos vilarejos da região, a jornada foi adiada para este ano —e completada no dia 30 de julho passado. Parte da viagem foi feita ao lado da mulher, a personal trainer Vanessa Oliveira, que o acompanhou por 40 dias, voltando ao Brasil para tocar seus trabalhos. Na bagagem, desta vez, seguiam alimentos altamente calóricos, mas de relativamente menor peso, como whey, manteiga de amendoim e azeite de oliva, conforme orientado por uma nutricionista.

"Quando estamos nas montanhas não tenho uma dieta das melhores, a gente come o que encontra, nesses quase cinco meses de trilha não vi nada de fruta, havia pouca verdura e uma dieta pobre em proteína, mas era o que tinha", explica. E a que credita a disposição física na idade em que nossos avós costumavam estar jogando dominó na pracinha mais próxima?

"Atividade física, sempre, né, e muito cuidado com os joelhos, além de uma boa genética", resume Morgado, com o brilho nos olhos de quem, antes de mais nada, tem uma enorme fome de viver.

Erramos: o texto foi alterado

Ao contrário do que foi inicialmente publicado, os sete cumes conquistados pelo entrevistado são os mais altos de cada um dos continentes, não os mais altos do planeta. 

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.