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É Logo Ali - Luiza Pastor
Luiza Pastor
Descrição de chapéu escalada

O americano que leva a escalada para as favelas do Rio de Janeiro

Andrew Lenz criou projeto social que ensina o esporte (e muito mais) a jovens de comunidades cariocas

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O americano Andrew Lenz, nascido em Houston, Texas, mas há 25 anos de seus 42 vivendo no Rio de Janeiro, é o criador de um projeto que une sua paixão pela montanha com a vontade de fazer diferença no cenário de desigualdades que encontrou quando veio com a família viver na Cidade Maravilhosa. Fundador do CEU (Centro de Escalada Urbana), leva jovens de comunidades locais para desfrutarem do prazer e do friozinho na barriga das primeiras subidas nas pedras que compõem a bela paisagem carioca.

Aqui, ele conta um pouco da jornada do CEU.

Como surgiu o projeto CEU? Eu nasci em Houston, Texas, nos Estados Unidos, e me mudei para cá com meu pai em 1998, estou há 25 anos morando no Rio. Comecei a trabalhar com projetos sociais no início dos anos 2000, mas projetos ligados a outras coisas, arte, cultura. Em 2003, comecei a escalar por lazer e percebi o quanto a escalada me mudava como pessoa. Eu achava interessante essa mudança que ocorria em mim mesmo. Daí pensei que a escalada poderia ser uma ferramenta interessante para incluir nos projetos sociais que já fazia e, em 2010, fundei o Centro de Escalada Urbana.

Jonas da Silva, morador da Rocinha e um dos primeiros alunos do projeto CEU
Jonas da Silva, morador da Rocinha e um dos primeiros alunos do projeto CEU - Andrew Lenz/Divulgação

E como começou? Comecei trabalhando na favela da Rocinha, que tem pedras grandes do lado. O intuito era mesmo fazer com que as pessoas jovens e mulheres moradoras das favelas cariocas tivessem mais acesso a um esporte de elite, mas que eu realmente acho que traz vários benefícios pessoais. Me formei instrutor e guia de escalada profissional, certificado, em 2010, mesmo ano em que fundei o CEU.

A gente levava jovens da Rocinha para fazer curso básico e aprender a escalar na pedra e, com o tempo, desenvolvi uma metodologia que ia, além, só a escalada não era suficiente para gerar o impacto que queria promover na vida dos jovens que frequentavam o projeto. Eles precisavam de outros apoios. Apoio em relação à escola, em relação à saúde mental, saúde física. Então, usamos a comunidade escaladora para criar uma rede de contatos, de apoios, de serviços aos jovens que participavam do projeto e que em geral são pessoas em situação de vulnerabilidade social às quais ajudamos a melhorar autoestima, autoconhecimento, autonomia, além de desenvolver habilidades sociais e emocionais nos jovens, apoiá-los na criação de cidadãos mais bem preparados para enfrentar os desafios do futuro.

Everton do Nascimento Fernandes treina em parede de escalada indoor no ginásio Evolução
Everton do Nascimento Fernandes treina em parede de escalada indoor no ginásio Evolução, no Rio de Janeiro - Andrew Lenz/Divulgação

Por falar em desafios, como foi você chegar na favela e falar, olha, vamos subir na pedra? No início foi estranho, mesmo. Eu já tinha experiência com outros projetos sociais, então tinha alguns contatos na Rocinha, onde eu queria implementar o projeto primeiro, pela sua proximidade com uma pedra grande e icônica aqui do Rio. Mas, assim, de primeira, não foi fácil. A maioria dos pais, na época, não conhecia a escalada. E a maioria achava que eu era realmente meio louco. Não queriam de cara confiar numa pessoa estranha que chegava propondo levar seus filhos para subir uma montanha.

Como driblou essa estranheza? Acho que o que girou a chave foi perceber que era melhor fazer parcerias com outros projetos que já existiam, oferecendo uma atividade diferenciada para esses projetos. Fiz parceria com uma escola de surf na Rocinha, por exemplo, e esse modelo a gente continua tendo com vários projetos pelas comunidades do Rio. A gente faz parceria, leva as crianças desses projetos para escalarem. Quem gostar realmente pode se inscrever no CEU e por aí vai. A gente ajuda os outros projetos oferecendo serviços e atividades diferenciadas, e conta com eles como porta de entrada para conhecer as famílias e as comunidades em que atuamos.

Meninas participam de curso de escalada no Rio de Janeiro
Meninas participam de curso de escalada no Rio de Janeiro, dentro do projeto CEU - Andrew Lenz/Divulgação

Em quantas comunidades o CEU trabalha? Hoje estamos em mais de oito comunidades diferentes, entre as turmas juvenil e feminina. Temos jovens vindo da Rocinha, do Turano, Tabajaras, do Complexo do Alemão, também de umas favelinhas na Olaria, em Realengo, no Salgueiro e no Borel. Em 2020 fechei o muro de escalada que tinha feito na Rocinha e trouxe o projeto para Botafogo, a um ginásio público que tem aqui no Rio. E agora a gente consegue atender pessoas de várias favelas e regiões diferentes.

Tem ideia de quantos jovens você já atraiu para a escalada? Já apresentamos o esporte para centenas de jovens ao longo desses 12 anos. Agora, a gente trabalha de maneiras diferentes. Nesse tempo, fizemos um trabalho personalizado, com cursos mais avançados, com mais de 20 alunos. Alguns passaram a ser atletas profissionais, outros viraram instrutores de escalada, outros foram trabalhar em áreas que não tinham a ver com escalada, mas às quais foram encaminhados por nós. Por exemplo, tenho um aluno que hoje é assistente de câmera, trabalha com cinema, ele já saiu do projeto, mas saiu quando a gente conseguiu realmente ajudá-lo a fazer um estágio com a câmera, ele tinha interesse e a gente procurou os contatos dentro da comunidade escaladora para encaminhar para essa área de trabalho. Hoje é um profissional nessa área.

Esse é o grande diferencial do nosso trabalho. Não temos a proposta de trabalhar com centenas de jovens ao mesmo tempo, mas de trabalhar com um grupo menor e de modo mais profundo, com impacto maior nas vidas desses jovens.

Andrew Lenz com as alunas Victoria dos Santos e Marcela Cruz Gonçalves Bicalho
Andrew Lenz com as alunas Victoria dos Santos e Marcela Cruz Gonçalves Bicalho - Divulgação

Como você financia o projeto, considerando que os equipamentos são caros? A gente se sustenta na base de doações, na maioria doações individuais e particulares. A maioria dos equipamentos são doados por outros escaladores ou por parcerias com grupos de outras cidades, e até de outros países que captam esses materiais e nos enviam. Recentemente, conseguimos reformar uma sala no ginásio, onde a gente oferece reforço escolar, palestras, oficinas diversas para aumentar a qualidade do atendimento. Também ajudou a comprar uma Kombi para fazermos viagens maiores com mais jovens. Mas a grande base de financiamento ainda é via campanhas de captação coletivas, como pelo link www.vakinha.com.br/vaquinha/centro-de-escalada-urbana, esse tipo de apoio.

E por que resolveu enveredar pela área social? Nós somos quem somos, é difícil explicar, mas acho que quando cheguei ao Brasil, com 17 anos, o impacto da desigualdade aqui era grande demais, óbvia para qualquer pessoa, e aquilo mexeu comigo. Morar no Rio e enfrentar todo dia os impactos da desigualdade social me fez sentir que precisava fazer alguma coisa para ajudar, para tentar reverter, mesmo que em escala tão pequena, aquilo que via ao meu redor. É o que tento fazer com o CEU.

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