Depois de enfrentar toda a burocracia que uma cidade como São Paulo consegue criar para complicar a vida do seu cidadão, finalmente o projeto Pedreira Jaraguá, localizado no bairro de mesmo nome da zona norte paulistana, vai decolar oficialmente neste sábado, 25. Nesse dia, se as Fúrias meteorológicas não atrapalharem, será realizada a Vivência Jaraguá, que oferecerá a todos os interessados que forem ao local, gratuitamente, a experiência de escalar cerca de 20 metros de rocha, mesmo que nunca tenham praticado o esporte.
"Conversando com a subprefeitura do Jaraguá, descobrimos que ali no local havia, desde 1991, uma área pública de 52 mil metros quadrados que já é utilizada pelos moradores da região, na prática, como um parque", conta Alexandre Gazinhato, conhecido no meio como Francês. No local, que inclui até um ponto de encontro de evangélicos para suas orações, e reúne uma boa quantidade de vizinhos com seus cachorros, foi possível convencer a municipalidade de que os eventos de escalada eram uma boa ideia —afinal, o esporte foi incluído nos Jogos Olímpicos de 2021, em Tóquio, na modalidade indoor (ou seja, praticantes escalarão obstáculos instalados em paredes, chamados boulders).
"Entre as 9h e as 12h desse sábado, se não chover, esperamos atender até 150 pessoas, que terão emprestados todos os equipamentos necessários e devidamente certificados, como cadeirinhas, capacetes, cordas etc", explica Francês, que já corre atrás de patrocínios para ampliar os atrativos do que espera seja o embrião de um parque de verdade, "com hortas comunitárias e cursos de escalada aí já mais estruturados, mas sempre gratuitos", acrescenta.
O acesso à Pedreira se dá pela avenida Raimundo Pereira, no número 10.500 e, se tudo funcionar como o Francês (que na verdade é filho de italianos, mas ganhou o apelido por seu sotaque ser confundido pelos vizinhos da infância) espera, será realizado uma vez por mês. Os cursos propriamente ditos devem começar no ano que vem.
Uma história de persistência
A história do Francês que sobe pelas paredes começou quando, adolescente morador da periferia paulistana do Capão Redondo, na zona sul da cidade, entrou para o escotismo. Lá, se interessou por montanhismo e, em especial, pela escalada. Esses eram, então, como até hoje, esportes praticados por meia dúzia de privilegiados, a maioria estrangeiros ou filhos de imigrantes, com dinheiro para comprar os equipamentos. Com o tempo, formado em engenharia civil e especializado em segurança de trabalho, aprendeu a escalar, viajou para a Itália e, nos Alpes, aperfeiçoou sua prática. De volta ao Brasil, resolveu dar a mais adolescentes a oportunidade de se iniciar na atividade. Nasceu assim o instituto social (CAB) Clube Alpino Brasileiro, que hoje está à frente do projeto Pedreira Jaraguá.
O primeiro projeto do CAB aproveitava umas paredes de pedra localizadas na praça Eduardo Ambuba, no Morumbi. Ali, com outros voluntários do clube, começou a ensinar a todos os interessados que passassem por ali, mas em especial a adolescentes que estivessem sob medidas sócio-educativas e que eram levados até o local pelas instituições responsáveis por eles, os princípios mais elementares da escalada. Só que o projeto teve vida curta, com a gentrificação da região.
"Por pressão de vizinhos de condomínios de luxo da região, acabaram cercando a praça durante a pandemia e nos proibiram de utilizar as vias já instaladas com nossos equipamentos para as aulas, até hoje as chapeletas para passar as cordas seguem lá, mas não podemos usar, nem sequer acessar a área", explicou ele na época. Apesar de contar com laudos de especialistas encaminhados à subprefeitura e à reportagem, garantindo que as paredes de pedra eram seguras o bastante para a prática básica, a Prefeitura acabou interditando o acesso a todo o perímetro que era utilizado, usando como pretexto justamente uma pretensa falta de segurança da rocha.
Questionada na época pela reportagem, a Secretaria Municipal das Subprefeituras, por meio da Subprefeitura Campo Limpo, informou em nota que, ao contrário do que afirmam os laudos técnicos encaminhados pela reportagem e que estão em mãos do órgão desde 2019, "a referida rocha não possui características geológicas favoráveis que permitam a escalada com segurança", e que a praça é atualmente alvo de "um projeto de revitalização do espaço público com medidas de segurança para que seja feito um local de contemplação da referida pedra".
Cansados de bater boca com as autoridades e sem encontrar eco para os argumentos técnicos, Francês se mudou de corda e sapatilhas para a Jaraguá onde, finalmente, parece ter conseguido um espaço para chamar de seu —e dos candidatos a conhecer os prazeres de chegar às alturas. Ponto para a Subprefeitura do Jaraguá!
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