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Luiza Pastor
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Brasil ainda engatinha no mundo colorido da escalada indoor

Fundador da primeira escola da modalidade, Paulo Gil tem visão inclusiva e filosófica do esporte

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A escalada indoor, que estreou como esporte olímpico em Tóquio, ainda não conseguiu levar a seleção brasileira à disputa, mas aos poucos vem ganhando mais adeptos a cada ano, atraindo atletas que procuram treinar para paredes mais ousadas fora de quatro paredes ou simples curiosos que buscam uma alternativa de exercício diferente e divertida. O blog vai mostrar, em uma série de reportagens, como a atividade evoluiu nas últimas décadas e quem faz a diferença nesse mundo de pedras, cores e desafios.

A primeira academia oficial voltada para escalada indoor foi a 90 Graus, em São Paulo. Criada pelo ex-praticante de yoga e caratê e economista Paulo Gil, 58, a escola nasceu a partir de seu interesse pela espeleologia, que é a exploração de cavernas. Como para essa atividade é essencial ter noções de escalada, ele começou a ter contato maior "com esse monte de gente colorida, simpática, o oposto desse grupo de pessoas desajustadas que gostam de entrar em cavernas", conta ele, comprando uma segura briga com sua ex-tribo.

Parede de escalada esportiva na academia 90 Graus, pioneira da modalidade no país - @yfgodoy no instagram

"Eu detestei aquilo, mas acabei conhecendo uma escaladora que me apresentou o lado filosófico da coisa e resolvi dar uma segunda chance", explica. "E até hoje estou aqui".

Desde o final da década de 1980 e início da de 1990, Gil trabalhou com eventos que incluíam pequenas paredes para atividades motivacionais de recursos humanos e organizou treinamento para bombeiros, até que percebeu que a atividade podia ser uma oportunidade de negócio. Foi assim que nasceu a 90 Graus, em 1994.

Paulo Gil, dono da escola de escalada 90 Graus, primeira do país
Paulo Gil, dono da escola de escalada 90 Graus, primeira do país - Acervo pessoal

"Eu estava focado na pegada de trabalhar com o excluído, com aquele cara que não deu certo em nenhum esporte, e a escalada consegue absorver essa pessoa", explica, "porque você tira prazer da atividade logo de cara, tem uma lista de exigências pequena, não precisa ser alto ou extremamente forte, é acessível a todos".

Mesmo aberto a todos os perfis, inclusive os tais excluídos de outras modalidades, Gil se orgulha de ter trabalhado com praticamente todos os grandes nomes da escalada brasileira. Mas se orgulha mais ainda de ter apresentado o esporte a "pessoas para as quais o esporte seria improvável e que, quando a escalada entrou na vida delas, fez uma diferença monstruosa".

Para o pioneiro Gil, apesar da visibilidade que a elevação da categoria a esporte olímpico ganhou, isso não significa que vai levar multidões aos paredões da natureza. "A academia de escalada tinha a função de ser porta de entrada para a escalada em rocha, e a 90 Graus se propunha a ser essa porta de entrada da forma mais realista, porque havia preconceito contra os muros artificiais", lembra.

"Aliás, nunca entendi esse preconceito porque, vindo do yoga, eu pensava que se eu estiver no Himalaia ou no banheiro, o importante é estar em contato comigo mesmo, a busca tem que ser interior em qualquer atividade", filosofa. Para promover a maior similaridade com os obstáculos da vida real, Gil resolveu criar as próprias garras, "aquelas pecinhas onde você apoia pés e mãos, o mais parecidas possível com as que você vai ter na pedra, com textura, dureza e temperatura próximas ao de uma rocha real".

As garras desenvolvidas por Paulo Gil para as paredes de escalada esportiva da academia 90 Graus - @yfgodoy no instagram

Gil, que garante não receber de má vontade quem chega à 90 Graus só buscando um momento de diversão, explica que seu espaço é, principalmente, "uma escola de escalada".

"O que a gente tem para ensinar lá é a escalada do ponto de vista mecânico, fisiológico, biomecânico e emocional", define. Isso, segundo ele, inclui "como lidar com as intempéries, com aquela chuva de perguntas que a parede faz para você e como conseguir fluir com aquilo e se organizar e se manter calmo, seguir assertivo e fazer o negócio fluir, e isso é feito através das vias".

Gil conta que seu método parte do princípio dos katás, as sequências de movimentos do caratê. "Fui adaptando aquilo à escalada, montando caminhos, um mais fácil, um mais difícil, e intercalando, sofisticando um pouco mais a cada vez, criando as vias que vão perguntando 'você sabe fazer isso?' e 'se eu puxar seu pé mais para cá e subir o outro, você consegue se equilibrar?', e aí, de pergunta em pergunta, o processo é gradativo, bem suave", define. Quem ouve até acredita que tudo é muito simples.

Com a evolução do esporte mundialmente e sua disseminação como atividade instagramável, Gil vê uma grande diferença na escalada indoor. "Hoje, a coisa evoluiu para a parte de show, de competição, e foi se adaptando ao que o público estava vendo e o que queria ver", conta. "Daí surgiram esses muros com garras enormes, coloridas, que aparecem bem na TV, para o público leigo olhar e falar, tá, entendi, olha como é difícil".

"Se você escala na maioria dos ginásios, hoje, nesse modelo, você não transfere aquele conhecimento para a rocha, mas é um modelo de negócio que funciona, atrai a molecada que vai escalar sem camisa, procurar um parzinho para ficar e tomar cerveja artesanal", define com um toque de ironia.

Ele faz a ressalva de que "é legal a escalada indoor ser esporte olímpico, dar visibilidade e ter formado grandes escaladores", mas insiste em que a verdadeira escalada, aquela dos perrengues ao ar livre, "evoluiu independentemente disso, mas evoluiu aritmeticamente e não exponencialmente como pode parecer na mídia".

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