Em 2003, no início do primeiro mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demorou dois meses para afastar o diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, general da reserva Álvaro Vianna de Moraes, acusado de não fornecer documentos à Polícia Federal e não cumprir duas decisões judiciais.
Atribui-se essa indefinição à opção de Lula, que não se deixaria influenciar pela mídia.
Em 2023, Lula iniciou o terceiro mandato com o desafio de conviver com parte da PRF inflamada pelo bolsonarismo do ex-diretor-geral, Silvinei Vasques. Exonerado em outubro de 2022, ele ainda seria influente em segmentos da corporação. Temia-se novos confrontos.
A prisão preventiva de Vasques, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, se justificaria diante do risco de o ex-comandante exercer pressão sobre testemunhas ou de eliminar provas.
Fora da pauta
"Pessoas próximas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dizem que ele não gosta de ser 'pautado' pela imprensa", escrevi em fevereiro de 2003.("Anatomia da Reportagem" - Publifolha - pág. 79)
Em reportagem publicada na Folha, no dia 14 de fevereiro de 2003, revelei que o Ministério Público Federal havia pedido à Justiça a decretação de busca e apreensão de documentos na Polícia Rodoviária Federal ao investigar a suspeita de fraude na aquisição, sem licitação, de 220 veículos da General Motors em 1995.
O então diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal, general da reserva Álvaro Vianna de Moraes, foi acusado de não fornecer documentos à Polícia Federal e de não cumprir duas decisões judiciais.
Em dezembro de 2002, o corregedor-geral da Polícia Rodoviária Federal informara ao juiz da 12ª Vara Criminal do Distrito Federal, Marcus Vinícius Reis Bastos, o desaparecimento do processo administrativo sobre a aquisição.
O então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, interpelou o diretor da PRF e fixou prazo para o órgão esclarecer o suposto sumiço do processo. Moraes dirigia a PRF desde dezembro de 1999 e fora mantido no cargo por Thomaz Bastos.
Moraes consultou o MPF se havia determinação judicial não atendida. "A resposta, lamentavelmente, é afirmativa", informou o órgão.
Em janeiro de 2003, o titular da Justiça havia sido procurado por petistas insatisfeitos com a manutenção do general na direção da PRF.
Três parlamentares, liderados pelo deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR), mostraram um relatório com outras supostas irregularidades na gestão do militar. Havia a suspeita de superfaturamento em outra aquisição de veículos e supostas ilegalidades na compra de helicópteros em 2001.
Um mês antes, o Tribunal de Contas da União enviara à Controladoria Geral da União cópia do processo da compra dos helicópteros, destacando o "ilícito de substituição de páginas do contrato".
O dossiê que Thomaz Bastos submeteu à consultoria jurídica da pasta também apontava supostas irregularidades na prestação de serviços e no pagamento de vantagens aos servidores.
"Desconfiei que o governo trocaria o comando da Polícia Rodoviária Federal sem dar publicidade ao fato, talvez para não deixar evidente que agira motivado por uma revelação da imprensa", escrevi no livro.
A assessoria de Thomaz Bastos prometera confirmar com antecedência a substituição, tida como certa, mas o assunto era sucessivamente postergado. Passei a consultar diariamente os atos administrativos do Ministério da Justiça, no segundo caderno do Diário Oficial da União.
A exoneração de Moraes, a pedido, por ato do então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, só veio a ocorrer em abril. Thomaz Bastos enviara à Casa Civil o nome do sucessor havia mais de um mês.
Em correspondência à Folha, o general Álvaro Vianna de Moraes disse que se sentia "profundamente ofendido por ter sido alvo de notícias inverídicas sem nenhuma oportunidade de pronunciamento".
Moraes foi procurado pelo jornal antes da publicação das reportagens. Segundo sua assessoria, ele estava em viagem de férias.
Férias convenientes
Vinte anos depois, as férias do ex-diretor Silvinei Vasques coincidiram com alguns momentos decisivos das investigações sobre as suspeitas de interferência da Polícia Rodoviária Federal, no segundo turno das eleições presidenciais de 2022, para favorecer Jair Bolsonaro.
No dia 15 de novembro de 2022, o Ministério Público Federal no Rio de Janeiro pediu o afastamento de Vasques por 90 dias pelo uso indevido do cargo. Um dia depois, o diretor-geral da PRF entrou em férias.
Em 6 de dezembro de 2022, um dia depois do término das férias, o general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional) no governo de Jair Bolsonaro, nomeou Vasques como integrante da Comissão de Coordenação do Programa Nuclear Brasileiro.
No dia 20 de dezembro de 2022, foi publicada no Diário Oficial da União a exoneração de Silvinei Vasques da função de diretor-geral da PRF, em ato assinado pelo chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira.
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