Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus CNJ

Ações do CNJ pela igualdade de gênero são judicializadas

Relator nega liminar em mandado de segurança contra ato do TJ-SP

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São Paulo

Confirmou-se no maior tribunal estadual do país a previsão de que seriam judicializadas as ações de incentivo à paridade de gênero no Judiciário estimuladas pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Um grupo de 20 juízes de direito impetrou, na última segunda-feira (25), mandado de segurança no Tribunal de Justiça de São Paulo para tentar anular concurso para um cargo de desembargador pelo critério de merecimento exclusivo para mulheres.

Eles questionam ato do atual presidente, desembargador Fernando Antonio Torres Garcia, que determinou a abertura do concurso, em janeiro último, de acordo com a Resolução nº 525/2023, aprovada em setembro último pelo CNJ.

"Deve ser indagado, com o devido respeito, se o Conselho Superior da Magistratura [do TJ-SP], verificou, onde estão e quais são as disposições no Estatuto da Magistratura, que trata da promoção dos magistrados e que outorgaram ao CNJ competência para dispor sobre regras de promoção por gênero?"

O pedido de liminar foi negado nesta quarta-feira (27) pelo relator, desembargador Campos Mello, que não vislumbrou no ato ilegalidade ou abuso de poder.

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Fachada do Palácio da Justiça de São Paulo, sede do Tribunal de Justiça de São Paulo, localizado na praça Clóvis Beviláqua, no centro de São Paulo. - Eduardo Knapp/Folhapress

Questões sensíveis

Juízes que assinaram o pedido sustentam que não se trata de linchamento moral, pois não teriam outra opção a não ser questionar o tribunal para manifestar o que julgam ser seu direito.

"Não é possível levar-se a pretensão diretamente ao Supremo Tribunal Federal, porque a ação mandamental não está sendo movida contra o CNJ, e os impetrantes não têm legitimidade para ingressar com ação direta de inconstitucionalidade no STF."

Os juízes questionam o efeito da resolução do CNJ.

"O ato concreto está ferindo direito líquido e certo de cada impetrante, uma vez que pelo fato de ser do gênero masculino, está alijado do concurso de promoção, e impedido de exercer o que lhe assegura a Lei Orgânica da Magistratura e a própria Constituição Federal".

Eles ressaltam que "não se está fazendo qualquer censura ao movimento político e social que busca a garantia e efetividade dos direitos e das oportunidades às mulheres, nas exatas medidas em que são dispensadas aos homens, nas diversas atividades da vida".

Destacam trecho de parecer do advogado Ives Gandra Martins:

"Se o merecimento é requisito exigido para o bem da sociedade, pois quanto melhor o magistrado, melhor o serviço prestado, não pode ser prestado, não pode ser superado por um critério que procura beneficiar o gênero, ou seja, para o benefício pessoal do juiz."

Os juízes foram representados pelo advogado Samuel Alves de Mello Júnior. Desembargador aposentado, ele foi presidente da Seção de Direito Público do TJ-SP.

Antecedentes da disputa

Foi iniciativa de Torres Garcia, ainda corregedor-geral no TJ-SP, sugerir à então presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, retirar da pauta a proposta da conselheira relatora, Salise Sanchotene, de incentivar a maior participação feminina no Judiciário. O tribunal paulista alegou pretender evitar "o risco de consolidação de situações irreversivelmente injustas".

A aprovação foi obtida no CNJ com o voto do juiz paulista Richard Pae Kim, que considerou intransponível introduzir políticas afirmativas de gênero nas promoções pelo critério de antiguidade, mas não viu óbice constitucional às promoções por merecimento.

O resultado impulsionou o Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário, criado para manter a mobilização e fomentar novas ações afirmativas de gênero, e o Coletivo Sankofa, que se define como feminista e antirracista. O Sankofa congrega 166 juízas paulistas. A desembargadora Salise Sanchotene participa como membro de honra.

O Movimento pela Paridade acredita que o TJ-SP cumprirá a resolução do CNJ. Em nota, afirma que "embora defendamos o acesso à justiça e direito de petição como direitos fundamentais, o edital [do concurso questionado] cumpre os ditames constitucionais de garantir a igualdade para todos".

"O STF já reconheceu que o CNJ tem competência para editar normas primárias que concretizem princípios constitucionais. Decidiu também que as ações afirmativas são constitucionalmente legítimas, inclusive no tocante ao gênero, pois promovem igualdade material".

Para o Sankofa, "reconhecida a disparidade numérica entre homens e mulheres nos tribunais de todos os ramos da justiça no Brasil e compreendido que tal situação não se resolverá pelo decurso do tempo, foi dado um passo para a correção dessa desigualdade. O TJ-SP saiu na vanguarda, sendo o primeiro do país a abrir um concurso de promoção exclusivamente para juízas mulheres, no critério merecimento".

"Não nos cabe tecer considerações sobre o mandado de segurança em si, mas sim lamentar que o caminho para a concretização da igualdade material entre homens e mulheres, especialmente dentro da casa da Justiça, ainda seja acidentado".

Primeiros alertas

A desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, do TJ-SP, e a ex-corregedora nacional de Justiça, Eliana Calmon, previram a judicialização das iniciativas do CNJ.

Pizzotti disse que "a promoção pelo critério identitário prejudicará as desembargadoras, que jamais foram favorecidas por conta de seu gênero, bem como os magistrados homens que agora serão passados para trás, em ofensa à lista de antiguidade".

"Ser mulher não é mérito e nem demérito para promoção em concurso. Não há essa regra na Lei Orgânica da Magistratura. Para ser inserida, é preciso um projeto de lei editado e aprovado pelo Poder Legislativo, e não uma regra administrativa".

A ex-corregedora nacional disse que "é preciso que a mulher entenda que a luta não pode favorecê-la em uma carreira que nada tem a ver com o sexo e sim com o mérito".

"O fato de haver nos tribunais mais homens do que mulheres é reflexo de um preconceito passado existente em toda e qualquer sociedade paternalista e patrimonialista. Esse desvio vai aos poucos sendo afastado, diminuindo o número desigual entre homens e mulheres."

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