Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus CNJ

Resistência à paridade pode judicializar promoções nos tribunais

Alerta é de uma ex-corregedora feminista e uma desembargadora alvo de machismo

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São Paulo

Na sessão em que o CNJ aprovou a resolução para reduzir a desigualdade de gênero no Judiciário, a ministra Rosa Weber foi aplaudida quando leu mensagem do então secretário-geral, juiz Gabriel Matos: "Não é guerra dos sexos, é aliança dos gêneros em prol do avanço civilizatório".

Prevê-se guerra judicial e uma disputa entre homens e mulheres nas próximas promoções. Há resistência nos tribunais e tensão diante do risco de injustiças.

O racha na Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil), com a renúncia coletiva de 22 juízas e juízes por não compactuar com os procedimentos da diretoria, sugere a dificuldade de reproduzir o consenso obtido no CNJ, quando foi aprovada a norma que institui a alternância entre mulheres e homens nas promoções.

"Percebo nessa atitude um comportamento misógino, jamais adotado pela associação anteriormente em situações nas quais houve interesses contrapostos de associados", disse a relatora do processo, conselheira Salise Sanchotene.

Regras sobre paridade de gênero podem judicializar promoções nos tribunaisl
Eliana Calmon, ex-corregedora nacional de Justiça, e desembargadora Maria Lúcia Pizzotti, do TJ-SP. No detalhe, juízas comemoram a aprovação de resolução sobre paridade de gênero, ao final de sessão no CNJ - Renato Araújo/Agência Brasil e Bruno Santos/Folhapress

Alvo de manifestações de machismo no Tribunal de Justiça de São Paulo, a desembargadora Maria Lúcia Pizzotti diz que "as próximas promoções serão judicializadas".

"Os juízes foram prejudicados com a inusitada decisão que permitirá que as juízas furem a fila constitucional das promoções para o cargo de desembargador, para que se corrijam os erros do passado", diz.

Segundo ela, "a promoção pelo critério identitário prejudicará as desembargadoras, que jamais foram favorecidas por conta de seu gênero, bem como os magistrados homens que agora serão passados para trás, em ofensa à lista de antiguidade".

"Jamais um juiz homem passou na frente de uma juíza mulher na promoção ao cargo de desembargador, pois o critério sempre foi o tempo de carreira de cada um deles. Apenas não havia mulheres, e por isso, ainda há poucas desembargadoras", diz Pizzotti.

"Jamais pedi ou obtive favor ou preferência por ser mulher, mãe, mesmo tendo vivido períodos de machismo explícito", diz.

Juízes inconformados

A ex-corregedora nacional de Justiça Eliana Calmon também prevê a judicialização. "Os magistrados estão inconformados", diz.

"A lista de merecimento feminina será um privilégio descabido para magistrados que serão preteridos, mesmo que sejam reconhecidas mais competentes, ao tempo em que retira da carreira a seleção por mérito."

"Sou feminista e participo de uma associação de mulheres de carreira. Sempre lutei para a emancipação da mulher", afirma.

"É preciso que a mulher entenda que a luta não pode favorecê-la em uma carreira que nada tem a ver com o sexo e sim com o mérito", diz a ex-corregedora.

"O fato de haver nos tribunais mais homens do que mulheres é reflexo de um preconceito passado existente em toda e qualquer sociedade paternalista e patrimonialista. Esse desvio vai aos poucos sendo afastado, diminuindo o número desigual entre homens e mulheres."

"Nas carreiras de estado cujo acesso se faz por meritocracia entendo que a instituição de cotas afasta a mulher do critério meritório utilizado constitucionalmente para ascensão."

Antecedentes na Apamagis

Maria Lúcia Pizzotti diz que a presidente da Apamagis (Associação Paulista de Magistrados), Vanessa Mateus, "não atuou com transparência para dar conhecimento a todos os integrantes do Judiciário de que aquela inusitada proposta estava para ser analisada".

A presidente da Apamagis foi pressionada pelas magistradas que defendiam as propostas do Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário e pretendiam ver uma manifestação da associação. Por decisão pessoal, Vanessa Mateus preferiu se resguardar e preservar a entidade.

Quando o Órgão Especial do TJ-SP aprovou o pedido de suspensão do julgamento no CNJ, o presidente Ricardo Anafe lembrou que a Apamagis havia sido contrária à mudança.

A desembargadora Márcia Dalla Déa Barone disse que, em reunião na Apamagis, o ministro Luís Roberto Barroso "nos perguntou se nos sentíamos preteridas no critério de promoção".

"Todas nós, desembargadoras e juízas de primeira instância, respondemos que não nos sentimos preteridas, porque a ordem é rigorosa", afirmou Barone. Ela disse que Barroso elogiou os critérios de São Paulo.

Ao colegiado, Barone disse que não são volumosos os processos que chegam ao CNJ sobre a questão da paridade. "Me parece que a tentativa de mudança está na contramão do que está acontecendo", afirmou.

Antecedentes na AMB

Em abril de 2018, três juízas do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios pediram desfiliação da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) inconformadas com a ausência de mulheres entre as conferencistas de um congresso nacional. Dias depois, mais de 30 juízas deixaram a AMB.

Na ocasião, a juíza Andréa Pachá, do TJ-RJ, que foi vice-presidente da AMB, pediu para deixar a entidade.

"Sou solidária às colegas que têm sido indevidamente desqualificadas, por assumir uma luta que é tão óbvia, que deveria ser de todas e todos", diz Pachá sobre o racha na Ajufe.

"Sou mulher, dediquei muitos anos da carreira às pautas associativas. O machismo que estrutura a sociedade, por óbvio impacta o Judiciário", diz.

"Não há contradição em defender as lutas associativas e a paridade. São movimentos complementares e não excludentes."

Tribunais superiores

Um magistrado questionou a exclusão dos tribunais superiores. Levantou a hipótese de ter sido uma medida para evitar desgaste na cúpula, a enfraquecer a resolução.

Sanchotene responde: "A paridade de gênero nos tribunais superiores mediante amplo acesso de mulheres magistradas, ou mulheres das carreiras jurídicas que compõe o quinto constitucional, é igualmente desejada, pois enfrentam as mesmas questões culturais de discriminação direta e indireta e apresentam composição eminentemente masculina."

"Mas considerou-se que a paridade de gênero nos tribunais de apelação seria antecedente, por provocar uma mudança mais extensa na carreira da magistratura como um todo. Com um número maior de desembargadoras haverá mais visibilidade do trabalho das mulheres nos tribunais de apelação e aumentará a possibilidade de mais mulheres ascenderem aos tribunais superiores."

"Atualmente, nas vagas destinadas à magistratura nos tribunais superiores, as candidaturas da magistratura de carreira estão dentro de um universo de 25% de mulheres, para 75% de homens", diz Sanchotene.

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