Guia Negro

Afroturismo, cultura negra e movimentos

Guia Negro - Guilherme Soares Dias
Guilherme Soares Dias

Quem está ganhando dinheiro com o turismo em Salvador?

Na capital afro, empresários brancos ganham a maior parte da grana dos turistas

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Guilherme Soares Dias
Salvador

Salvador é o destino mais desejado do Brasil, segundo o Ministério do Turismo, o melhor destino criativo, de acordo com o Creative Tourism Network, e está entre os destinos mais procurados em 2024 no Airbnb. O turismo é, sem dúvida, uma força motora da economia da capital baiana, que faz aniversário hoje (29/3), e virou a queridinha entre os viajantes, mas quem está ganhando dinheiro no setor?

A cidade soma 83% da população negra, no entanto, o poder econômico e político ainda está nas mãos da minoria branca. Isso faz com que a maior parte da rede hoteleira, das agências de turismo, das empresas de logística, dos restaurantes, lojas de souvenirs, entre outros, ainda sejam de empresários brancos que ganham a maior parte da grana investida pelos turistas.

O Salvador Capital Afro, programa da prefeitura com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que tem como meta posicionar a cidade como destino afroreferenciado não mudou essa realidade. Ao invés de capacitar terreiros, quilombos, blocos afros e outros equipamentos culturais e políticos para receber turistas, concentrou verbas nas mesmas empresas de pessoas brancas que costumam ganhar os editais na cidade, como já apontamos aqui.

Isso significa que mesmo na cidade com maior percentual de negros do Brasil, nem sempre o dinheiro de quem vai conhecê-la chega na mão de pessoas negras. Branco, o secretário de Cultura e Turismo, Pedro Tourinho, se mostra aliado da pauta ao questionar em suas falas que "se turismo em Salvador é cultura e a cultura de Salvador é negra, quão injusto é o fato das pessoas negras não se beneficiem economicamente do turismo e da cultura".

De acordo com Tourinho, a proposta da prefeitura é dar um passo além da representatividade em direção à prosperidade. "Se nós não conseguirmos colocar o protagonismo não só representativo, mas também econômico de Salvador estaremos apenas repetindo uma fórmula antiga de exploração colonial às camadas mais pobres da sociedade, aliado ao grande crime dos últimos séculos que é o racismo. Toda nossa ação para de ao dizer ‘Salvador Capital Afro’ é uma estratégia de turismo, estratégia cultural, mas também de reparação".

Se as ações do poder público parecem ainda não surtir efeito no dia a dia da cidade, como você turista pode começar a mudar essa realidade? O manifesto do Guia Negro lembra que turismo é escolha e que você pode e deve privilegiar negócios de pessoas negras, mulheres, LGBTs e com deficiência e que seu consumo fará diferença para esses comércios locais e será retribuído com afeto e experiências únicas, algo que o afroturismo é especialista em proporcionar.

Praia da Gamboa de Baixo, ao lado do Museu de Arte Moderna da Bahia é novo point dos soteropolitanos
Praia do Solar do Unhão, ao lado do Museu de Arte Moderna da Bahia é um dos locais para praticar afroturismo na cidade - Franco Adailton

Salvador é considerada a "meca negra", um lugar ao qual todas as pessoas negras devem visitar e, segundo dados do Observatório do Turismo de Salvador, que faz pesquisas por amostragens, os turistas negros representaram 64,8% dos visitantes da capital baiana em 2023.

Overtourism x moradores

Neste 2024 o carnaval foi mais cedo, praticamente emendado à Festa de Iemanjá, em 2 de fevereiro, outro evento que atrai milhares de turistas, fazendo com que o verão fosse mais curto e abarrotado. A Secretaria Municipal de Cultura e Turismo da cidade estimou em dezembro que Salvador receberia cerca de 3,4 milhões de pessoas entre os meses de dezembro e março deste ano (alta de 16% quando comparado ao mesmo período de 2022), movimentando quase 5 bilhões na economia local.

Enquanto aparece no topo da lista de desejos para viagens, Salvador é a capital com os piores índices de taxa de pobreza, violência, renda e desemprego, segundo dados do Mapa das Desigualdades que analisou as 26 capitais de estados brasileiros, divulgado pelo ICS (Instituto Cidades Sustentáveis). Uma mostra que o dinheiro do turismo ainda não chega à todas as parcelas da população.

Além disso, a capital baiana viveu dias em que o "overtoursim" (excesso de turistas) não trouxe benefícios, mas incômodo para moradores de bairros como o Santo Antônio Além do Carmo, no centro histórico. Por lá, foi comum ver ruas e bares abarrotados, preço dos carros que fazem corrida por aplicativo altíssimos e sujeira nas ruas.

Há ainda a gentrificação que tem deixado o valor de aluguéis, alimentos e consumo bastante elevados afastando quem já morava na região antes do boom do turismo. O bairro perdeu 20% dos moradores nos últimos 10 anos, de acordo com dados do IBGE. A questão que fica e que devolvo para o leitor viajante é que tipo de turismo queremos fazer: exploratório e de consumo ou de cultura e troca direta?

De quem você está consumindo nesses lugares? São moradores locais, grandes redes ou negócios que apenas ocupam um espaço sem se preocupar com o entorno? O ator e diretor Fabrício Boliveira, que é morador do Santo Antônio Além do Carmo, reforça a importância de consumir de pessoas do bairro para não incentivar a "ocupação desgovernada". "É um respeito de não descaracterizar o bairro para servir turistas e não os moradores, que continuam ali quando eles vão embora. É preciso ter uma relação mais horizontal", considera.

Para quem visita, a dica do ator é, somado ao descanso e consumo das viagens, fazer trocas para contribuir com a melhoria da cidade. Nesse sentido, também reforço que além da riqueza gastronômica, arquitetônica e litorânea, o maior diferencial de Salvador é mesmo sua cultura e história negra. Portanto, mais do que discurso político, os protagonistas e beneficiários do turismo precisam ser as pessoas negras. Uma mudança urgente que seria um belo presente de aniversário para a cidade.

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