Haja Vista

Histórias de um repórter com baixa visão

Haja Vista - Filipe Oliveira
Filipe Oliveira

Audiodescrição ganha espaço no futebol na Copa

Partidas são transmitidas com acessibildiade e inovação conquista pessoas com deficiência visual

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São Paulo

Bons profissionais do esporte certamente sabem que narrar um jogo de futebol não é a mesma coisa que descrever o que acontece em campo.

Na verdade, o que importa mesmo no trabalho deles é a expressividade e a carga emocional que imprimem com sua voz à partida.

Uma amiga que não enxerga nem sabe bem as regras do futebol explicou bem nas redes sociais como ela entende os jogos da Copa. Quando ele fica conversando, falando baixinho, nada está acontecendo. Quando começa a acelerar a fala, é porque algo importante pode vir. Quando sua voz atinge o fortíssimo, o gol está chegando. Se Ela fica parada numa nota aguda, é gol do Brasil.

Eu acrescentaria que quando a voz do Galvão entoa uma nota prolongada e realiza um glissando para a região grave é que foi gol da Alemanha no Brasil.

Todo mundo vai pegar no pé do narrador se ele se distrair na hora do gol e não gritar uma palavra só pelo maior tempo possível. Mas ninguém vai ficar preocupado se ele não disser de que lado do canto saiu o cruzamento ou onde o Neymar recebeu a bola antes de dar um drible sensacional e chutar no ângulo. Afinal, a maioria dos espectadores estão vendo direitinho o jogador sul-coreano que caiu de bumbum no chão.

Mas nem todos estão vendo o que acontece com seus próprios olhos.

Nesta Copa do Mundo eu e muitas outras pessoas cegas e com baixa visão pudemos entender os jogos de uma nova forma.

Desde a cerimônia de abertura, a Globo vem incluindo audiodescrição em todas as partidas da Copa do Mundo. Para acessar a narração complementar é preciso acionar um canal alternativo de áudio apertando a tecla SAP.

A partir daí, uma nova voz, suave e geralmente com um tom neutro, sempre em mezzo forte, passa a incluir informações que a pessoa que não enxerga poderia ficar sem saber.

Galvão grita "falta" e o audiodescritor diz que Vinícius Junior foi derrubado. Sai um gol para o Brasil e, enquanto a voz que todos querem ouvir gritar ecoa, o audiodescritor conta quem deu o passe e de onde saiu o chute.

Naturalmente há certa disputa por espaço entre as narrações simultâneas. É de se esperar que a audiodescrição só entre nos momentos de silêncio. Mas, em uma transmissão ao vivo, fica tudo mais imprevisível e sobreposições acontecem.

Quando o audiodescritor precisa falar, a voz do narrador e dos comentaristas abaixa um pouquinho. O ideal então é que ele seja muito criterioso e econômico, para dar informações úteis sem sobrecarregar os ouvidos do espectador nem atrapalhar a compreensão de outra fala que ele queria ouvir.

A audiodescrição também serve para que quem não está vendo a imagem conheça a bandeira dos países participantes, as cores do uniforme, o estádio, a aparência de alguns dos jogadores, dos juízes, movimentações da torcida. Todas informações que soariam redundantes na narração original, mas que enriquecem a partida para todos.

Resultado da iniciativa pioneira: os grupos de WhatsApp de cegos têm falado muito sobre o assunto, inclusive circulando links do YouTube de partidas audiodescritas que estão passando e de dias anteriores.

Acredito que a experiência tornará as transmissões acessíveis ainda melhores. Minha opinião, que pode não ser a de todos, é que as intervenções poderiam ser mais econômicas. Em especial durante os intervalos dos jogos, muitas vezes as falas de jornalistas, dos comentaristas e do narrador ficam truncadas para que a audiodescrição dê informações que não são tão importantes, do tipo "ela está no telão" ou "o grupo está no estúdio", "o goleiro arremessa a bola". De qualquer forma, sempre será uma escolha difícil e influenciada pelo gosto de quem faz e de quem escuta. Em alguns momentos, optei por desligar a acessibilidade.

De qualquer modo, a notícia só não é melhor do que ganhar a Copa do Mundo com goleada na final. Mais do que em qualquer ano, todos vamos torcer juntos por isso dessa vez.

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