Eu a via na unidade de terapia intensiva, altiva, elegante, vestida com o uniforme impecável de supervisora da equipe de limpeza do hospital. Sempre cordial. Boa noite, boa noite.
Certo dia, Conceição disse que tinha um pedido para mim: que eu autografasse um exemplar de meu livro que ela tinha adquirido.
Com todo o prazer!
Quem é o pior médico do mundo?
Quem sabe seja eu mesmo?
Eu gosto muito de ler suas histórias, você é de Cansanção, não é? Eu também sou da Bahia, de Santaluz.
Nossas cidades são vizinhas, sertão profundo, região produtora de sisal. As crianças de Santaluz foram apresentadas no Globo Repórter que tratou de trabalho infantil, em 1997. O garoto Jeremias, com um terninho costurado à mão, puxava um jegue que carregava sisal em suas cangalhas. O repórter lhe perguntou sobre o que o menino esperava do futuro, quem viu vai lembrar: um futuro elegante.
Conceição veio deste lugar, da lida desde menina na zona rural das brabas caatingas. Migrante nesta cidade grande, ao trabalho sempre, além dos cuidados com família, as duas filhas, os seus livros.
No Hospital Universitário, ela foi admitida como funcionária terceirizada para o serviço de higiene e limpeza, logo passou a supervisora. Nos muitos expedientes noturnos, Conceição parecia algo cansada, mesmo assim mantinha os olhos atentos ao serviço e às apostilas, jornada tripla ou quádrupla, com mais demandas pelas contingências da pandemia.
Nesse contexto, Conceição coordenou uma equipe tão essencial quanto inviabilizada; os profissionais de limpeza foram dos que mais sofreram tanto dentro quanto fora dos serviços hospitalares desde a emergência da Covid-19.
Como alento, há alguns dias a rede social trouxe a imagem de Conceição vestida com roupa de formatura, segurando o seu diploma do curso superior de enfermagem, a mulher alcançou as palavras que seu pai plantou há tantos anos: a sua filha mais velha um dia ia se formar.
Formou-se Conceição, elegante em sua beca de formatura, num futuro que construiu elegantemente.
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