Em "Lugar de Negro", a antropóloga e filósofa Lélia Gonzalez escreveu que os livros oferecidos nas escolas brasileiras nunca trouxeram a contribuição das classes populares, da mulher, do negro ou dos indígenas na formação histórica e cultural da sociedade. "Na verdade, o que se faz é folclorizar todos eles", afirmou.
Se por muito tempo a história negra foi invisibilizada em nosso país, a arte tem tido um papel de resgate e usada como instrumento de empoderamento, aprendizado e combate ao racismo.
Autor das biografias "Luiz Gama" e "Laudelina Campos de Mello" (editora Mostarda), Francisco Lima Neto lembra que foi mais uma criança que cresceu completamente sem referências ancestrais e sem estudar a história da África na escola.
"Ao contar a história dessas pessoas, desse povo ancestral --algo que me foi tirado ao longo da vida--, estou resgatando partes de mim, resgatando a minha autoestima, adquirindo conhecimento. Toda vez que eu os resgato, sinto que uma parte de mim também é resgatada, uma parte de mim é curada, sabe?", diz o jornalista.
Luiz Gama (1830-1882) usava as leis que tinha na época para ajudar a população preta. Tornou-se um rábula, advogado sem diploma, e conseguiu autorização para atuar nas cortes de primeira instância. Sozinho, conseguiu libertar mais de 500 escravizados.
Já Laudelina de Campos Mello (1904-1991) lutou por mais de 40 anos para que as empregadas domésticas tivessem os direitos reconhecidos. A biografia da ativista antirracista foi lançada na última Bienal do Rio, que teve ao todo 5,5 milhões de livros vendidos.
O recorde de vendas é destaque no país onde os índices de leitura apresentam quedas consecutivas. "Grande parte dessa população que não lê é negra. Primeiro, não há incentivo. Segundo, o preço, não necessariamente nessa ordem. E, por fim, se as histórias não me contemplam, não me atraem, ou só me retratam como marginalizado, como uma pessoa indigna, eu também não teria vontade de ler", ressalta.
No áudio abaixo, Francisco conta sua experiência no lançamento da Bienal, onde várias crianças e adultos "se reconheceram" nas capas dos livros da coleção Black Power, no estande da editora Mostarda.
"A valorização da história negra possibilita que as novas gerações estejam cercadas de exemplos fortes e representativos que ajudam na construção da autoestima, da identidade e da luta contra o racismo", diz Andressa Maltese, diretora editorial da Editora Mostarda.
"Para as novas gerações, principalmente para as crianças negras, a literatura se torna em um espaço de reconhecimento de si, além de contribuir com a formação de sua identidade e autoestima", completa.
Voltado para crianças e adolescentes, a coleção Black Power também traz biografias de personalidades como Angela Davis, Lima Barreto, João Cândido, Conceição Evaristo, Maria Felipa, Sueli Carneiro entre outros.
A editora também tem a coleção Kariri, com indígenas notáveis, mulheres inspiradoras nas coleções Meninas Sonhadoras e Mulheres Cientistas. Parte dos livros são acessíveis em braille, com ilustrações em relevo e fontes ampliadas.
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