Descrição de chapéu Independência, 200

Luiz Gama ensina que resistência antirracista é virtude cívica, diz jornalista

Oswaldo Faustino e Rosane Borges participaram da 20ª edição do ciclo Perguntas sobre o Brasil, que lembrou o abolicionista

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Belo Horizonte

Para dimensionar a importância de Luiz Gama, abolicionista e advogado cujo nome está grafado no Panteão da Pátria, em Brasília, o jornalista Oswaldo Faustino descreveu os simbolismos presentes no momento de seu velório.

Gama (1830-1882) foi tema da 20ª edição do ciclo Perguntas sobre o Brasil, realizada na última quarta-feira, dia 12 de julho.

imagem em preto e branco mostra a ilustração de Luiz Gama, homem negro com cabelo curto e barbas volumosas, ainda que também curtas
Ilustração de Luiz Gama presente no livro "Lições de Resistência", das Edições Sesc - Divulgação

Faustino, que colabora para a revista Raça há 15 anos, contou que o cortejo fúnebre de Gama saiu às 15h da região do Brás, em São Paulo, onde o corpo foi velado, e chegou apenas às 19h no cemitério da Consolação. Ao longo do caminho, reuniu cerca de 10% da população paulistana à época.

Aos pés do caixão do abolicionista, como escreve Raul Pompeia, autor de "O Ateneu" (1888), estavam dois homens de classes sociais radicalmente distintas. Um deles era Martinico Prado, senhor de mais de 1.500 escravizados, e outro, um homem negro com os pés descalços.

"Ou seja, mesmo um escravocrata como Martinico Prado reconhecia a grandiosidade daquele cadáver", disse Faustino. "E lá também estava um negro esperançoso de conseguir sua liberdade. De repente, os dois estavam ali, juntos, para levar aquele grande homem à sua última morada".

Os ensinamentos de Luiz Gama inspiraram a mais recente edição do ciclo de diálogos, iniciativa organizada pelo Centro de Pesquisa e Formação (CPF) do Sesc São Paulo, pela Associação Portugal Brasil 200 anos (APBRA) e pela Folha.

Ao lado de Faustino, estava a também jornalista e pós-doutora em comunicação Rosane Borges e o repórter da Folha Tayguara Ribeiro, que mediou a conversa.


"Luiz Gama era um homem inquieto", contou Rosane Borges, "não só por ter vivido em uma época regressiva da escravidão, mas porque, a partir do lugar da violação e da exclusão, pensou em um projeto de país, dominando, como poucos, a literatura, o direito e o jornalismo."

Nascido livre em 1830 e escravizado durante a juventude, o próprio Gama estimou que tenha atuado para a libertação de mais de 500 escravizados durante a sua vida.

Embora a importância de sua carreira como advogado e as ideias que legou enquanto jornalista tenham sido reconhecida nas últimas décadas, segundo Borges, ainda existem muitas camadas da trajetória do abolicionista que merecem ser escavadas e devidamente dimensionadas.

"Em plena escravidão, a escrita jornalística era uma forma usada por ele para reivindicar acesso a uma soberania negada", disse Borges.

O advogado e abolicionista Luiz Gama na capa do nº 26 da revista "Bahia Ilustrada", de janeiro de 1920 - Coleção Emanoel Araújo

Faustino acrescentou que a resistência é o principal ensinamento de Gama para as gerações futuras. "A luta antirracista não é uma insurreição –não é apenas destruir esse mundo de privilégios para uma parte da sociedade em detrimento da outra. A resistência, como diz o próprio Luiz Gama, é uma virtude cívica. Hoje cabe assumirmos essa virtude cívica. Resistir, resistir, resistir."

200 anos, 200 livros

O ciclo Perguntas sobre o Brasil, que discute aspectos relevantes da identidade e da cultura brasileira, é inspirado pela lista elaborada pelo projeto 200 anos, 200 livros.

Em maio do ano passado, em meio às comemorações pelo bicentenário da independência do Brasil, o projeto realizado por meio de uma parceria da APBRA com a Folha e o Projeto República (núcleo de pesquisa da UFMG) reuniu duas centenas de obras relevantes para entender o Brasil a partir da indicação de 169 intelectuais.

Luiz Gama integra a lista com o livro "Lições de Resistência: Artigos de Luiz Gama na Imprensa de São Paulo e Rio de Janeiro" (Sesc SP, 2020), organizado por Lígia Fonseca Ferreira.

A obra foi recomendada por Oscar Vilhena Vieira, diretor da Escola de Direito da Fundação Getulio Vargas e colunista da Folha, por congregar "alguns desses artigos que iluminam ao mesmo tempo erudição e o emprego estratégico do direito na luta contra a escravidão".

Oswaldo Faustino e Rosane Borges ainda discutiram aspectos da luta antirracista nos dias de hoje e a necessidade de maior representatividade negra na imprensa brasileira. A íntegra está disponível nos canais do Sesc São Paulo, do Diário de Coimbra e da APBRA no Youtube. Assista abaixo.

O ciclo Perguntas sobre o Brasil é realizado a cada duas semanas, sempre às quartas-feiras, às 16h, com transmissão ao vivo pelos canais citados. A próxima edição, marcada para o dia 26, tem o seguinte mote: "O Brasil precisa de Portugal? Portugal precisa do Brasil?"

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