Descrição de chapéu Interior de São Paulo

Saiba quem foi Laudelina de Campos Mello, a nova heroína da pátria

Ativista, morta em 1991, foi fundamental para a conquista de direitos para as empregas domésticas

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Francisco Lima Neto

Formado em jornalismo pela PUC-Campinas, tem pós-graduação em matriz africana, é escritor e repórter de Cotidiano.

São Paulo

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta terça-feira (24) o projeto de Lei 1.795/2021, que inscreve o nome de Laudelina de Campos Mello no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria. A publicação no Diário Oficial da União foi feita nesta quarta (26).

O PL nasceu na Câmara dos Deputados, com autoria da então deputada federal e atual vice-governadora do Distrito Federal, Celina Leão (PP), sob relatoria da deputada Benedita da Silva (PT), e depois foi aprovado pelo Senado.

Ser incluído no livro é uma honraria destinada a protagonistas da liberdade e da democracia, que em algum momento dedicaram a vida ao país.

Imagem de Laudelina de Campos Mello - Divulgação/Senado

Laudelina, neta de escravizados, nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 12 de outubro de 1904, e consta que aos 7 anos já trabalhava como doméstica. Abandonou a escola cedo para ajudar a mãe no sustento da casa e dos irmãos após a morte do pai.

Aos 16 anos criou o Clube 13 de Maio, que proporcionava atividades culturais à população negra, que era impedida de frequentar os mesmos ambientes que os brancos, e foi eleita presidente.

Aos 18 anos e casada, morou em São Paulo e depois Santos. No litoral paulista começou a cuidar de empregadas domésticas idosas ou adoecidas que eram colocadas nas ruas pelos patrões, e passavam a pedir esmolas, já que não tinham nenhuma assistência, nem eram reconhecidas como categoria profissional.

"A população endinheirada passou a morar nos edifícios que surgiam e deixavam os antigos casarões. Laudelina alugava esses casarões, transformava em pensão, alugava para rapazes, e o dinheiro que ela conseguia da pensão com os rapazes, ela sustentava essas mulheres que eram colocadas a rua", diz Cleusa Aparecida da Silva, coordenadora da Casa Laudelina de Campos Mello Organização da Mulher Negra, em Campinas.

Laudelina de Campos Mello (de preto) na abertura do 3º Congresso Nacional da Trabalhadora Doméstica, década de 1950 - Divulgação/Casa Laudelina

Já separada e com um casal de filhos, filiou-se ao Partido Comunista Brasileiro e a Frente Negra Brasileira, e ainda fundou, em 1936, a primeira Associação de Trabalhadores Domésticos do Brasil, em Santos.

"Ela atuava na perspectiva de organizar as trabalhadoras domésticas. Pensava o ser humano e as mulheres negras na sua integralidade. Pensava o mundo do trabalho, a cultura, a ciência, a filosofia, ela pensava a história. Atuava em várias frentes, principalmente na área da educação. Uma das demandas prioritárias de Laudelina era a questão da profissionalização e ampliação da escolaridade das mulheres negras", explica Silva.

As atividades da associação foram encerradas durante a ditadura de Getúlio Vargas.

Laudelina se alistou nas forças de paz durante a Segunda Guerra Mundial e foi espiã do Exército Brasileiro.

"Ela foi a primeira mulher negra a se alistar. Ela percebe que todos os dias à tarde, vinha uma freira até a igreja no cemitério com um buquê e ficava um tempo e ia embora. Quando os navios brasileiros saíam com alimentos e medicamentos para a guerra, eram atacados no oceano. Então tinha alguém infiltrado no Exército Brasileiro. Laudelina então fala para seu comandante sobre essa freira. Eles montam um observatório e conseguem pegar a freira, que na verdade, era um alemão. Laudelina foi condecorada, recebeu medalha", relembra Silva.

No final da década de 1940, Laudelina foi viver em Campinas, onde recriou a Associação de Trabalhadores Domésticos e continuou a ajudar as trabalhadores na busca pelos seus direitos. O então ministro do Trabalho, Jarbas Passarinho, a chamava de terror das patroas.

Laudelina passou a pressionar a mídia, prefeitos, vereadores e deputados para garantir direitos às domésticas e verbas para ações de cultura e educação, sendo recebida por ministros. Tendo uma penetração impensável para pessoas negras na época, em especial, as mulheres.

Por conta de sua mobilização desde a década de 30, em 1972 as trabalhadoras domésticas passaram a ter direito a carteira assinada, mas ainda sem os benefícios das demais categorias profissionais, como jornada de trabalho.

Em Campinas, também lutou contra o racismo e o machismo. Criou a Escola Santa Efigênia de Bailados para ensinar balé e outras artes para meninas negras e brancas pobres. Criou também o Baile Pérola Negra para que as meninas pudessem debutar, já que eram impedidas de entrar em clubes de brancos.

Laudelina com o cantor Jair Rodrigues na 1ª edição do Concurso Pérola Negra em Campinas - Divulgação/Casa Laudelina

A atuação de Laudelina inspirou a criação de sindicatos em diversas regiões e outros estados. Ela passou também a atuar junto a universidades.

"Por isso ela é merecedora da homenagem. Nós queremos bater na agenda do epistemicídio [a sobreposição de uma cultura em relação à outras], contar essa história escondida, nós conhecemos apenas a história dos vencedores, mas não conhecemos a história daqueles que foram vencidos e continuaram lutando e reexistindo até a sua partida espiritual", diz Silva.

Ela lembra que dar visibilidade à história de Laudelina é necessária.

"Queremos, de fato, dar visibilidade e referendar a história das mulheres negras, originárias, de todas elas que lutaram no Brasil e que não estão nos nossos livros didáticos. É uma atitude criminosa e racista esconder a verdadeira história do seu povo. E Laudelina está dentro desse contexto, de resgatar sua verdadeira história para que a gente possa conhecer uma outra versão, que pensa a pluriversalidade", finaliza.

Laudelina morreu em 12 de maio de 1991, em Campinas, e deixou sua casa em testamento para ser a sede do sindicato de sua categoria.

O nome de Laudelina será, a partir de agora, registrado no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria — ou Livro de Aço, pois a obra é composta por páginas de aço — abrigado no Panteão da Pátria, na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

O livro, criado em 1992, reúne pessoas que dedicaram sua vida ao país em algum momento da história, que só podem constar no material após aprovação de lei pelo Congresso Nacional.

Segundo a Agência Senado, até março de 2023, 64 nomes foram incluídos no livro, sendo 51 homens e 13 mulheres, entre eles, Tiradentes, Anita Garibaldi, Chico Mendes, Zumbi dos Palmares, Machado de Assis, Chico Xavier, Santos Dumont e Zuzu Angel.

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