Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
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Mente

A última morada de Pelé: um cemitério à altura

O cemitério mais alto do mundo abriga a última morada do rei do futebol

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O cemitério mais alto do mundo, segundo o Guinness Book, abriga a última morada do rei mundial do futebol.

Quando visitei o Memorial Necrópole Ecumênica de Santos, em 2016, me assustei ao ler a lápide: Família Edson Arantes do Nascimento "Pelé". Me informaram que o lugar já estava reservado para ele. Pelé escolheu a vista daquele túmulo específico: a Vila Belmiro. Lá já estão sua filha, Sandra, morta em 2006, seu pai, o Dondinho, que morreu em 1996 e seu irmão Jair Arantes, o Joca, morto em 2020.

O cemitério me informou que Pelé será sepultado na semana que vem, após o velório em São Paulo. Não é correto dizer que ele será enterrado, já que ele não vai para debaixo da terra, mas sim para uma gaveta nas alturas.

O Memorial foi fundado em 1983 e registrado no Guinness Book of Records em 1991. Ele foi criado para resolver um problema da cidade de Santos: sepultamentos eram feitos no meio da lama, porque a região tem muitos lençóis freáticos. O conceito de cemitério vertical resolve essa questão. São prédios que abrigam cadáveres em lóculos (gavetas) conectados por tubos para a saída de gases do processo de decomposição, evitando o mau cheiro. No Estado de São Paulo há outros, como o Phoenix Memorial do ABC em Santo André, projetado pelo arquiteto Carlos Bratke, o memorial do Alto Tietê em Suzano e o Memorial Guarulhos.

Ne época, conversei com o fundador do cemitério, Pepe Altstut, que morreu em 2021. Ele se orgulhava do que construiu. Um cemitério diferente do usual. Esse tem fonte, lagoa com carpas, tartarugas, um viveiro com pavões e faisões e um criadouro de araras regulamentado pelo Ibama. O playground recebe crianças enquanto os adultos velam os mortos.

Nos corredores, caixas de som sintonizam música clássica. Entre o jardim e a capela, dá para ver o museu de carros antigos. Pepe decidiu pelo museu quando um amigo morreu e não tinha onde deixar sua adorada coleção. Resolveu deixar ali, perto de si. Um dos carros é um Mercedes Benz 280-S, de 1974, dado a Pelé pela Mercedes, em comemoração do milésimo gol.

Pepe falou que nossa relação com a morte tem se modificado ao longo dos anos. "Estamos desmistificando esse momento tão difícil, porque é um processo muito agressivo e as necrópoles normalmente são muito frias, não acolhem. Mas o processo pode ser menos traumático em lugares como esse" .

Ele considerava o cemitério vertical uma tendência mundial do setor funerário, por não poluir o meio ambiente como o enterro, não depender do tempo para os rituais, como chuva, e possibilitar maior segurança para as pessoas. Seu prédio é todo monitorado por câmeras.

A cremação também seria uma tendência forte. "Temos o primeiro crematório privado do país", disse. E ressaltava ser interessante termos um local para guardar as cinzas, para podermos visitar o morto e não termos que levar as cinzas para casa. Esse espaço é chamado de Columbário, ele é cobrado e acaba sendo uma fonte de receita importante para os cemitérios.

O interesse pelo negócio de Pepe surgiu da vontade de retribuir a receptividade que recebeu dos brasileiros quando migrou da Argentina aos 25 anos. Ele era ligado em esportes, patrocinava 150 atletas, a equipe do campeonato brasileiro de ciclismo e a das paraolimpíadas.

Seu ambiente, além de acolhedor, deveria ser igualitário. "No meu cemitério, não existe pobre nem rico, é tudo padrão".

A padronização dos túmulos é uma marca da modernização, já que no passado, esses espaços eram usados justamente para mostrar a relação de poder entre as famílias. Quanto maior o poder, maior o mausoléu de um nome.

Outra tendência do setor funerário são os cemitérios jardins, como o Cemitério Cerejeiras, no Jardim Ângela, que também padronizam os túmulos tirando esse aspecto de poder social.

Pepe disse ver a morte como uma etapa da vida e não o fim em si. Católico, acreditava na vida após a morte e esperava um dia reencontrar sua mãe, que dá nome à gruta do local.

Ele via o luto como a perda do nosso público. Nossos familiares são nosso público, são o público da nossa vida. Quando perdemos uma pessoa querida, perdemos parte do público e perdemos um pouco da motivação da vida". Nesse sentido, seu cemitério é um prédio de audiências perdidas, que ganharam de presente, uma linda vista.

Pelé lamentou a morte de Pepe, em 2021."Mais um querido amigo partiu sem um último abraço. Pepe Altstut foi um grande irmão, que deixa lembranças incríveis. Pepe, sei que você está no céu agora, sorrindo para nós. Certamente, de braços abertos. Um dia, meu amigo, vamos nos abraçar de novo".

O cemitério já é um ponto turístico hoje. Com a chegada de Pelé em sua última morada, ele se torna histórico.

Corredor de um cemitério vertical, com lóculos em fila, com flores.
Corredor do Memorial Necrópole Ecumênica de Santos - Arquivo pessoal
Um banco na frente de um cemitério vertical
Vista do Cemitério Memorial Necrópole Ecumênica de Santos - Arquivo pessoal

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