Eu tinha 18 anos quando conheci Nova York. O 11 de setembro havia acontecido há alguns meses e, depois de fotos sorridentes na cidade inteira, fiquei confusa sobre o que fazer quando cheguei ao Ground Zero, o local onde ficavam as chamadas "torres gêmeas" do World Trade Center.
Ainda não havia nada ali. Era só um imenso local vazio, rodeado de grades em que pessoas deixavam flores, cartas e condolências. Uma espécie de velório permanente.
Fazia sentido tirar foto? Qual a postura adequada para se tirar foto em um local como esse? Fiz um semblante sério e foi isso. Naquela época, nós ainda usávamos câmera com filme e não era barato revelar as imagens, que só fui ver pela primeira vez meses depois.
Passei algum tempo sem ir a lugares que exigissem a mesma reflexão, até que conheci Berlim. O Memorial do Holocausto tinha sido concluído havia poucos anos e eu me vi, novamente, sem saber o que fazer. Podemos tirar foto aqui? Meu marido tirou algumas enquanto eu andava pelo local. Nem se eu quisesse teria conseguido sorrir.
Recentemente, fui ao antigo campo de concentração de Sachsenhausen, um dos maiores da Alemanha nazista. Fotografei o lugar e especialmente informações que julguei relevantes, mas não fazia qualquer sentido uma foto minha naquele lugar. Depois de 6 ou 7 horas andando, meu marido disse que não aguentava mais ver e ler tanta destruição e tristeza. É isso que a visita a lugares assim deveria fazer com a gente: em dado momento, você não aguenta mais.
Não é um lugar de turismo, é um lugar de memória. Um lugar para nunca esquecer o que aconteceu e, assim, nunca repetir.
Provavelmente, sempre houve fotos inadequadas nesses espaços. Mas agora elas estão na internet e nos fazem refletir sobre por que são tão graves. Após viralizar a foto de uma pessoa parecendo confortável e feliz em sua visita, o Memorial de Auschwitz, no campo de extermínio nazista mais conhecido do mundo, pediu respeito às mais de 1 milhão de pessoas executadas ali.
O historiador Jean Chesneauxdiz que o passado é o produto da nossa memória coletiva e o que nos ajuda a compreender a sociedade em que vivemos, o que defender e preservar, e o que mudar e destruir. Museus e memoriais são peças fundamentais para frear as tentativas de revisionismo do passado, que de tempos em tempos seduzem governantes e interesses de ocasião. É muito mais fácil questionar e duvidar daquilo que aconteceu antes de nós se não há estruturas inteiras comprometidas com a preservação da verdade.
Em 2018, quando ocorreu o incêndio no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, vimos uma comoção peculiar, no mundo inteiro. Séculos de história e origens se encontravam ali. Na época, comecei a desenvolver um projeto comparativo entre a forma como o Brasil lida com seu passado ditatorial – e a falta de referência dessas memórias –e a forma como a Alemanha lida com seu passado nazista, marcada por enorme preocupação na criação e manutenção de instituições que preservem o seu passado, e de diretrizes de educação e sanções jurídicas contra o negacionismo histórico.
Nós, brasileiros, ainda engatinhamos nessa matéria. Basta ver que um dos espaços de tortura mais importantes da ditadura, a "Casa da Morte" em Petrópolis/RJ, minha cidade natal, até hoje não foi transformada no museu prometido há anos.
Depois de criados, memoriais precisam ser respeitados. Se buscam preservar a memória de tragédias humanitárias, não há permissão para fotografias agradáveis e alegres. Pode parecer exagero, mas banalizar o que representam palcos das execuções de centenas de milhares de pessoas é minimizar suas mortes e seu sofrimento, é abrir espaço para a relativização de suas histórias e do passado.
Se isso acontece, uma hora a gente esquece e, por pior que esse passado tenha sido, a gente faz de novo.
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