Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
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Um obituário do X (antigo twitter)

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Ele nasceu em 21 de março de 2006, exatamente 10 anos antes da minha filha. Criado por quatro pais estadinuenses: Jack Dorsey, Evan Williams, Biz Stone e Noah Glass, que trabalhavam na empresa Odeo, uma ferramenta de podcasting. Pais de primeira viagem, resolveram dar um nome "sexy" para a criatura. "Twttr" é uma referência ao canto dos pássaros. A palavra significa gorjear. Menos do que cantar, seus usuários sairiam por aí piando livremente.

A plataforma seria uma troca de mensagens curtas, em tempo real, entre os funcionários dessa empresa. Como um SMS online. Seis meses depois, caíram em si que faltava sonoridade ao canto e o nome foi alterado para Twitter. A primeira postagem, feita por Dorsey, CEO da empresa, era literal: "apenas configurando meu twitr". Esse post foi vendido, em março de 2021, como um NTF (tokens não-fungíveis) por 1.630 Ether, o que equivale a aproximadamente US$ 2,9 milhões (uns 16 milhões de reais). Esse NFT parece ter tido uma vida curta. Uma pesquisa rápida lista notícias sobre a ascensão e queda das NTFs.

O microblog viralizou pela primeira vez na cobertura em tempo real do festival SouthbySouthwest (SXSW). O público entendeu que as mensagens ao vivo, em ordem cronológica, eram uma forma interessante de acompanhar o evento. Foi com o Twitter que surgiram as hashtags (o famoso jogo da velha #), para agrupar conteúdos do mesmo tema em um mesmo local.

O twitter conseguiu expandir o alcance de nossa comunicação, ele foi até o espaço. Em 2009, o astronauta americano Michael Massimino passou a tuítar direto do cosmos. "From orbit: Launch was awesome!! I am feeling great, working hard, & enjoying the magnificent views, the adventure of a lifetime has begun!" (Direto da órbita: O lançamento foi incrível!! Me sinto ótimo, trabalhando duro e apreciando as vistas maravilhosas, a aventura de uma vida toda acabou de começar)

Em outubro de 2022, Elon Musk comprou o Twitter por US$ 44 bilhões de dólares (R$ 246 bi em reais). Ele trocou de identidade, mudou o RG e passou a se chamar X, acompanhado de um logotipo preto com X em branco. A mudança aconteceu na época do lançamento de "Xuxa - O documentário", então alguns usuários acharam, ou tiveram a esperança, de que essa mudança tivesse sido pontual, no Brasil. Eu vi esses comentários porque sou roteirista dessa série e fiquei acompanhando a repercussão por lá.

Os jornalistas não conseguiram desapegar e continuaram chamando o X de "antigo Twitter". Hoje, o sentimento é de saudosismo. Alguns posts ficarão para a história, como esses elencados pelo Uol.

A plataforma teve uma importância cultural e social no mundo. Barack Obama anunciou sua reeleição lá. Presos políticos, como um universitário do Egito, de 2008, conseguiram pressionar as autoridades e serem soltos, após uma campanha na rede. E movimentos sociais como o "#metoo", "#blacklivesmatters", ganharam força nesse palco das ideias.

A nossa civilidade, sem autoritarismo, é pautada nas instituições e suas leis. Existem para que a gente não fique à mercê dos interesses de um soberano. Musk peitou, e por enquanto, sua plataforma aqui morreu.

Alguns usuários estão de luto, outros não sabem para onde ir. Tudo que faz parte do nosso cotidiano e deixa de existir, é uma potencial perda a ser sentida e importante de ser ventilada.

Vejo jornalistas tentando migrar para o Threads, dando um alô ali, procurando entender se tem vida nesse novo planeta. Um mundo, por enquanto, estranho, não oferece funções importantes como o Trending topics e o arranjo de conteúdo por temas. O Threads, por ser um desdobramento do Instagram, é mais propício para círculos familiares e de amigos. O Twitter era formado por desconhecidos.

Um dos fundadores do twitter Jack Dorsey criou a Bluesky, e trocou o pássaro pela borboleta. Todo mundo quer voar. Musk nos foguetes, Dorsey nas asas menores, nem por isso mais simples. Tem gente tateando lá. A usuário Bic Muller postou: "gente do céu, to me sentindo no primeiro dia de aula em uma escola totalmente nova". Felipe Neto postou na Bluesky: "Isso aqui é BEM melhor do que o Threads. 1.5 milhão de seguidores lá e não geral 30% do engajamento daqui, onde não tenho nem 100 mil".

Eu não fui uma usuária do Twitter porque levo tempo para formar uma opinião. Lá, é espaço de respostas rápidas. Questiono meus pensamentos demais, problematizo tudo.

Agora, vou investir meu tempo no Reddit. Os moderadores são humanos e podem banir incitações a pensamentos da Antiguidade, como machismo, homofobia, fascismo. O Reddit tem comunidades de discussões de temas específicos. Eu parei de fumar ao acompanhar uma dessas comunidades, de pessoas que estavam na mesma situação. Marquei o dia do término, junto com pessoas desconhecidas ao redor do mundo, e fomos compartilhando o dia a dia da abstinência. Um amigo usuário ferrenho disse que o reddit tem menos manipulação de algoritmo. Ele criou um sistema de pontos: você ganha pontos com posts upvotados, perde com downvotes. Precisa de pontos mínimos para certas comunidades. Sei bem, isso é tão blackmirror.

O criador do Reddit é o Aaron Swartz, o mesmo que criou o creative commons. Irritou muita gente, principalmente o governo americano ao tornar público processos federais. Teve um final trágico, Swartz se matou em 2013.

Musk é contra qualquer moderação ou supervisão, alega liberdade de expressão. O X deve ressurgir, a dúvida é se quando isso acontecer, já estaremos habituamos a algum outro fórum de debate. E se a memória da plataforma estará intacta. O Twitter é, mesmo com suas falhas, uma das empresas mais bem sucedidas do Silicon Valley das últimas décadas.

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