Não Tem Cabimento

Joana e Ana Carolina, sob pseudônimos, falam sobre anorexia, bulimia e outros transtornos alimentares e de imagem

Não Tem Cabimento - Joana e Ana Carolina
Joana e Ana Carolina
Descrição de chapéu saúde mental

Gordofobia e pressão estética afetam tratamento e causam sofrimento emocional

Obesidade é uma doença crônica e não está atrelada a um comer disfuncional

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Quando lançamos os primeiros textos neste Blog, recebemos comentários de dois tipos: os que se identificavam com os relatos publicados e os que demonstravam estranhamento, alegando uma "glamourização da obesidade" ou que "transtorno alimentar é não ter o que comer".

Essas reações não são novas e foram inclusive a inspiração para o nome do blog. Quando você diz que tem um transtorno alimentar, uma relação ruim com a comida ou com sua auto-imagem, é comum ouvir coisas como: "deixa de frescura", "isso não tem cabimento" ou (um de meus favoritos) "isso é coisa da sua cabeça". Sempre invalidando o sofrimento causado pela relação entre corpo, alimentação e aspectos psicológicos.

Ao mesmo tempo, diversos setores sociais nos pressionam para ter corpos cada vez mais próximos de um padrão inalcançável. Mulheres cada vez mais magras, a volta da moda "heroin chic", homens obcecados com corpos musculosos e uma indústria de suplementos e remédios para continuar perseguindo esses objetivos enquanto a linha de chegada é puxada para mais longe.

Esse cenário, permeado por mensagens explícitas do que é considerado belo e do valor que a beleza tem (especialmente para as mulheres) é o que chamamos de pressão estética.

A pressão estética pode gerar insatisfação e sofrimento, mas vem carregada de preconceitos quando direcionada a pessoas com obesidade. O Senado Federal entende gordofobia como "a desvalorização, estigmatização e hostilização de pessoas gordas e seus corpos. Tal discriminação leva à exclusão social e, consequentemente, nega acessibilidade às pessoas gordas".

Mão segurando fita métrica
Pressão estética e gordofobia causam sofrimento - Jennifer Burk /Jennifer Burk.Unsplash

Segundo Adriano Segal, coordenador do departamento psiquiátrico de Transtornos Alimentares da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica), o termo é um conceito validado pelo uso ao longo do tempo para se referir ao preconceito com pessoas com obesidade. Ele diz que há culpabilização das pessoas com obesidade, como se a doença fosse resultado direto de escolhas, quando na realidade é multifatorial, desenvolvida a partir de aspectos genéticos, metabólicos e sociais. "A obesidade não está atrelada a um comer disfuncional", diz. De acordo com a definição da Organização Mundial da Saúde), a doença é crônica e caracterizada pelo excesso de gordura corporal que pode causar prejuízos à saúde.

Para Segal, é difícil delimitar a linha entre o que é gordofobia e o que é pressão estética. "A obesidade não é uma doença psiquiátrica, mas sem dúvidas ser submetido a atitudes gordofóbicas pode aumentar o estresse, as chances de quadros depressivos, ansiosos e de isolamento –e ainda afastar a pessoa do tratamento", diz. Segundo a pesquisa "Obesidade e Gordofobia — Percepções 2022", divulgada no site da Associação, 85,3% das pessoas consideradas obesas no Brasil já sofreram esse tipo de preconceito.

Mesmo pessoas que não têm prejuízo na saúde física em decorrência do peso corporal são tratadas de forma diferente por estarem fora de um padrão extremamente magro, o que pode causar sofrimento. O médico também critica o uso de taxas como o IMC (índice de massa corporal) que consideram 30% de gordura na composição corporal feminina e 20% na masculina como ideais. "As pessoas são diferentes. Um bom endocrinologista deve avaliar cada caso individualmente".

Segal diz que o especialista deve avaliar o impacto deste peso na taxa de gordura corporal do indivíduo, além de seu histórico familiar. "Da mesma forma, uma pessoa magra pode ter uma taxa de gordura maior que o recomendado para sua composição corporal", explica. "Uma pessoa leve não é necessariamente uma pessoa magra [com baixo índice de gordura]".

Ainda que a obesidade não seja uma doença psiquiátrica, cerca de 4% das pessoas com a doença também podem ter transtornos alimentares, como compulsão alimentar, bulimia nervosa e síndrome do comer noturno. A distorção de imagem não é comum, mas pode haver insatisfação corporal.

No tratamento contra a obesidade o objetivo é diminuir a quantidade de gordura para melhorar o funcionamento do corpo, por isso sua base é a mudança no estilo de vida. Apenas em alguns casos são indicados remédios como Ozempic, popularizaddos recentemente. "Essas drogas são mais seguras do que as que tínhamos no passado. O problema é que o uso não deve ser indiscriminado: o uso estético não é ratificado por nenhuma sociedade científica", diz.

De acordo com a American Medical Association, apenas em 2013 a obesidade foi tipificada como uma doença crônica. "Ainda há muito estigma. É como dizer a hipertenso que controle a pressão com o poder da mente".

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