Giovana Madalosso

Escritora, roteirista e uma das idealizadoras do movimento Um Grande Dia para as Escritoras.

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Giovana Madalosso

Sou magra. Posso falar de gordofobia?

Enquanto não entendermos o problema como uma doença coletiva não haverá solução

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A bordo da minha calça 42, sempre achei que não podia falar sobre gordofobia, afinal não é meu lugar de fala. Até que, há poucas semanas, publiquei aqui neste jornal uma coluna que mencionava a escassez de tamanhos grandes nas marcas de roupas brasileiras. E, lendo os comentários dos leitores, percebi que talvez tenha alguns quilos para isso.

Aos 16 anos, embora tivesse as curvas de um palito de dente, eu já fazia regime. Eu e minha amiga dividíamos uma única torrada no intervalo do colégio e depois ficávamos com medo de que alguém percebesse o nosso hálito cetônico, perguntando toda hora para a outra: e aí, tô bafuda?

Não existe, até hoje, uma dieta universal ideal para a perda de peso — que seja eficaz para todo mundo
Sociedade ainda enfrenta a questão da gordofobia como um problema isolado, e não um mal coletivo que afeta a todos - Getty Images

Aos 20 anos eu era gostosa, mas não conseguia enxergar isso. Para complicar, dançava balé. Sonhando participar do Lago dos Cisnes Raquíticos, jantava gelatina diet todas as noites e logo ia dormir, antes que o bloco de aspartame deixasse meu estômago e ele começasse a se lamuriar de novo.

Alguns anos depois, fui morar nos Estados Unidos. Iniciei um relacionamento sério com as panquecas e ganhei alguns quilos. Ao desembarcar no Brasil com minha nova bunda, a primeira coisa que ouvi não foi "que saudade" mas "que balão".

Na esperança de que roupas menores me fizessem parecer mais magra, passei a andar feito um provolone enrolado numa cordinha. Para fechar a calça, precisava deitar e chupar a barriga. Para fechar um vestido, precisava de uma pessoa puxando o zíper e outra rezando.

Por essa mesma época, testemunhei uma amiga se viciar em bolinhas, conquistando um corpo magro e dotado de pupilas dilatadas, ansiedade e insônia. Outra passar a sua festa de casamento sendo torturada por uma cinta modeladora. Outra quase ir para o hospital por conta de uma "injeção milagrosa de alcachofra". Outra se endividar por uma lipo. Outra fazer uma cirurgia de redução de estômago e depois, por causa da alteração na absorção de líquidos no aparelho digestivo, virar alcoólatra. E nenhuma delas ser um centímetro mais feliz por isso.

Nessa maratona de corpos se esfalfando para ir do nada a lugar nenhum, empunhei o Triste Troféu Omoplata de Quem Nunca Sucumbiu a um Donuts. E, mesmo saboreando o amargor da boca sempre privada de açúcar, mesmo vestindo tamanho M, nunca me achava em forma o bastante para usar uma miniblusa. Nunca estava à vontade para trepar com luzes bem acesas.

Mesmo de uns anos para cá, quando me tornei mais livre, segui "me cuidando" com o olho do carrasco. E, até há pouco, como já comentei, nem achava que a gordofobia era assunto para mim, até perceber que também sou vítima da mesma pressão estética, que não há quem não seja. A única diferença é que sou daquelas que introjetaram essa pressão a ponto de botá-la no comando da consciência, como um parasita moldando a minha carne a seu gosto e ainda me fazendo acreditar que os traumas dessa demanda nada têm a ver comigo.

Há quem argumente que corpos gordos não são corpos saudáveis, mas os citados neste texto são?

Doente é a nossa sociedade, que vive mais uma onda de culto à magreza, ostentando, de um lado, pessoas morrendo de fome e, de outro, pessoas se drogando para não comer —no Brasil, 30% das meninas já apresentam algum transtorno alimentar desde a infância.

Claro que a gordofobia é muito pior para os gordos mas, de certa forma, vinca a todos, de bulímicos e anoréxicos a crianças e pesos médios eternamente insatisfeitos. E, como toda doença coletiva, só pode ser curada se nos entendermos todos como parte do problema.

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