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Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto

A perigosa moda do 'balconing' na Espanha

Com a volta do chamado 'turismo de bebedeira' pós-pandemia, aumentam acidentes e mortes relacionados à prática

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Fim da pandemia, volta o verãozão español e, com ele, uma moda horrorosa, perigosa e panaca: o balconing.

Demorei anos pra descobrir que era assim que se descrevia o que faziam "guiris" (estrangeiros), basicamente matchos jovens, em balneários turísticos de massa como Salou e Lloret de Mar (na costa peninsular mediterrânea) e ilhas baleares como Mallorca e Ibiza.

Basicamente, o "esporte" consiste em saltar entre varandas de quartos de hotel ou apartamentos turísticos, ou saltar de uma varanda a uma piscina.

A motivação? Estar bêbado ou muy loko, querer se pavonear prozamigo, ser francamente imbecil.

A primeira vítima fatal de balconing na Espanha em 2022 foi um turista britânico de 34 anos, que morreu no final de maio ao saltar bêbado de uma varanda de um sétimo andar na ilha balear de Mallorca, na pequena mas contundente cidade de Magaluf, conhecida como "a Rainha da Noite" graças ao turismo brutal que recebe há anos.

Dias antes dele, um irlandês também foi hospitalizado em estado grave depois de cair de um segundo andar nas redondezas. Adivinha: bêbzdo também.

São inúmeros os casos. Em agosto, há alguns dias, três holandeses ao redor dos 25 anos foram expulsos de um hotel em Palma de Mallorca e multados. Motivo: balconing para "roubar" uma shisha de um apartamento vizinho no terceiro andar.

CONTRA O 'TURISMO DE EXCESSOS'

A moda começou há pelo menos uns 17 a 20 anos. A expansão do turismo internacional pós-Olimpíadas de 1992 na Espanha transformou o país em destino favorito dos balconers, que a cada ano nos brindam com notícias desagradáveis ou diretamente trágicas de acidentes, mortes, sequelas irreversíveis.

Ao longo dos anos, o setor turístico adotou diversas medidas numa tentativa de controlar a situação, de subir a altura das grades nas varandas de apartamentos turísticos ou limitar o consumo de álcool a criar uma lista pública de personas non gratas arruaceiras.

Em 2020, o governo balear aprovou a Lei contra o Turismo de Excessos. Desde então, a prática do balconing pode ser punida com expulsão do estabelecimento e multa de 6 mil a 60 mil euros.

'MAMADING' E TURISMO DE BEBEDEIRA

Desde que o mundo é mundo, o árco está aí, com outras drogas, levando o ser humano a fazer as maiores baboseiras e temeridades.

Como o 'mamading' (é isso mesmo, queridos), termo que horrorosamente ficou na moda em 2014, quando uma jovem de 18 anos praticou sexo oral em 23 pessoas num pub na supracitada Ilha da Fantasia Gringa Xovem de Magaluf a troco de uns drinques.

Muita indignação e escândalo depois, vieram medidas locais como a proibição do pub crawling (vulgo beber até cair de bar em bar) e a restrição horária do consumo de álcool nas ruas.

Na Espanha, o chamado "turismo de borrachera" (bebedeira) é um dos piores do continente europeu, graças aos preços e sol amigáveis.

montagem mostra pernas vestidas com jeans e tênis suspendida no ar com fachada de edifício de fundo
Salto ao abismo: a perigosa moda do 'balconing' na Espanha - Sobre montagem de Adrian Malec / Pixabay

Até destinos improváveis como a secular Santiago de Compostela, paradeiro final da peregrinação do Caminho de Santiago, vêm se transformando em cenários de balconing, graças à massificação turística. Em princípios de agosto, turistas foram multados pela prática na cidade.

Com o fim da pandemia, ainda não existem dados oficiais sobre as vítimas do balconing no país, mas é certo que umas dezenas de pessoas resultam gravemente feridas ou mortas a cada verão por saltar perigosamente sei lá pra onde.

AS 'ZAMBULLIDAS': MERGULHOS PERIGOSOS

As vítimas do balconing se confundem com as estatísticas sobre acidentes causados por 'zambullidas' --mergulhos realizados em piscinas, rios, lagos e a mar aberto.

Segundo Lluisa Montesinos, chefe da Unidade de Lesões Medulares do hospital Vall d'Hebron, em Barcelona, um dos maiores da Espanha, a cada ano a instituição atende de duas a cinco vítimas das zambullidas.

Em geral, são homens de 15 a 35 anos que sofrem "lesões medulares muito graves, as quais mudam radicalmente a vida de uma pessoa e sua família. Somente 5% dos acidentados podem se recuperar", diz.

Segundo dados do Colégio Profissional de Fisioterapeutas de Madrid (CPFCM), cerca de 6% das 800 a 1000 lesões medulares na Espanha a cada ano acontecem por conta de zambullidas imprudentes, em geral perpetradas por menores de 30 anos entre os fogosos meses de julho e agosto, época hardcore do verão turístico no país. Somente uma de cada 5 vítimas são mulheres.

No caso de mergulhos em piscinas, exemplifica Montesinos, "às vezes não se considera uma das características principais da água, a tensão superficial, que faz com que esta seja como uma pedra ao se chocar contra ela".

"Outros acidentes não são evitáveis, mas no caso das zambullidas bastam umas precauções mínimas. Se queremos nos divertir pelo resto da vida, devemos evitar certas acrobacias ou saltos", diz.

No caso do balconing, embora não existam dados sólidos pra comparar, uma conta satírica no Twitter de uma tal Federação Internacional do Balconing divulgou recentemente uma espécie de ranking que resgata todos os casos desde 2004.

O primeiro lugar, com 'honras': Reino Unido, com 189 andares de queda (djizuis), 53 casos e 18 mortos. São, segundo a publicação, "reis absolutos e indiscutíveis", e "quase a cada ano ficam em primeiro".

Os espanhóis completam o top 5 com um tímido quarto lugar -- mas "mantêm uma boa posição à base de saltos de pouca altura, ao mesmo tempo tendo uma das porcentagens mais baixas de mortes", ironiza o post.

Esse papo me recorda a época em eu vivia em Tarragona, a pouco menos de 2 horas de Barcelona, perto de Salou, um destino favorito de xovens estrangeiros em busca de vida loka.

Tão massivo é o turismo estrangeiro em Salou que o balneário inteiro parece uma Disneyland britânica-festiva, com cartazes em inglês, pubs, English breakfast pra todo lado e discotecas.

Reza uma lenda muito disseminada entre nosotros, prosaicos vizinhos moradores, que muitos dos estrangeiros trazidos em hordas por agências internacionais pra currrrtir like hell sequer sabem em que cidade, país ou galáxia se encontram. Vêm pra zuar o esquema livremente, como talvez não fizessem em seus países.

A cada ano, pelo menos uma morte por balconing, além de outras vítimas graves, ganha os noticiários locais. Jovens panacas doidos de whatever, saltando ao abismo pra nunca mais --literalmente.

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