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Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto
Descrição de chapéu União Europeia LGBTQIA+

'Ser sem medo': nova lei trans espanhola traz direito à autodeterminação e multas para discriminação

Considerado avançado no contexto europeu, texto demorou dois anos para ser aprovado, entre polêmicas e disputas políticas

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Foi uma grande batalha de dois anos, mas finalmente saiu: desde esta última quinta-feira (16), a nova "lei trans" espanhola traz mudanças importantes e muito esperadas pela comunidade LGBTQIA+.

O ponto mais polêmico, visível y disputado recém-aprovado é a livre autodeterminação de gênero.

A partir de agora, qualquer pessoa espanhola ou residente a partir de 16 anos poderá decidir, por conta própria e sem autorização de ninguém, que gênero aparecerá em seus documentos oficiais.

Na prática, essa medida 'despatologiza', finalmente, a transexualidade.


Ao longo do último biênio, a discussão sobre a chamada "Lei para a Igualdade real e efetiva das pessoas trans e para a garantia dos direitos das pessoa LGBTQIA+" dividiu o país, um dos mais avançados na Europa em direitos de coletivos trans.

Vários pontos da proposta original, redigida pelo Ministério da Igualdade, incendiaram abismos chocríveis entre o governo socialista e a ultra direita, além de causar celeumas entre movimentos civis e rupturas dentro do próprio governo.

A autodeterminação definida pela nova lei, por exemplo, no fim das contas deixa de fora as pessoas que se identificam como não binárias, algo que havia sido contemplado no texto original.

Além disso, parte do coletivo feminista se levantou contra a nova medida por distintos motivos. Entre eles, a potencial deturpação de dados estatísticos e, principalmente, o temor de que a mudança de sexo legal possa proteger homens acusados previamente de violência sexual.

No entanto, o texto recém-aprovado é majoritariamente visto como uma conquista importantíssima.

Já vem tarde.

Ainda hoje, mais de 60% das pessoas LGBTQIA+ na Espanha declaram sofrer discriminação em seu dia a dia, e quase metade enfrenta obstáculos na hora de conseguir trabalho. Um terço diz evitar certos lugares por medo de agressão ou demonstrações de preconceito. Metade de quem tem parceirx evita dar as mãos em público.

"Um país onde as pessoas LGBTQIA+ podem ser sem medo é um país melhor. E é também uma luta feminista, antirracista e pela justiça social", sublinhou Mar García Puig, deputada da coalizão catalã de esquerdas En Comú Podem.

Ativistas LGBTQIA+ celebram aprovação da Lei Trans no Parlamento da Espanha, em Madri - REUTERS

Até a aprovação da nova lei, as pessoas trans eram obrigadas a apresentar relatórios médicos com diagnóstico de disforia de gênero e fazer dois anos de terapia hormonal compulsória para modificar seu gênero em documentos oficiais.

A partir de agora, enquanto os maiores de 16 poderão decidir seu gênero por conta própria sem nenhuma das vias-crúcis anteriores, os maiores de 14 poderão também fazê-lo com autorização dos progenitores e os maiores de 12, sob aval judicial.

Tem gente contra esse limite mínimo de idade, e houve muito debate sobre como avaliar a tal autorização -- com ou sem testemunhas, com ou sem dupla audiência (na versão atual, a petição de mudança de gênero deve reiterada em um prazo máximo de 3 meses para ser válida). A decisão pode também ser revogada após 6 meses.

O avanço é consistente, mas o debate segue. Tanto PP quanto Vox, os dois principais partidos de (ultríssima) direita, prometem derrubar a nova lei, acusando o governo de "fomentar a transexualidade" e os menores a "mutilar" seus corpos.

"Precisamente o que faz esta lei é desvincular o reconhecimento da identidade desta obrigação, que é o que exigíamos [até agora] das pessoas adultas", rebateu a ministra da Igualdade, Irene Montero.

A nova lei também estabelece outras mudanças importantes, como o fim da obrigatoriedade do matrimônio para casais de mulheres que queiram registrar seus filhos, além de novos protocolos de atenção de saúde para pessoas trans e intersexuais, com base em princípios de "não patologização, autonomia, decisão e consentimento informados e não discriminação". O mesmo se aplicará em outros contextos, como o escolar e o penitenciário.

Além do mais, a lei trans amplia o plano de estudos e pesquisas relacionados e estabelece a obrigatoriedade de se propor planos de integração e igualdade LGBTQIA+ em empresas com mais de 50 trabalhadores.

Haverá punições mais pesadas para atos de discriminação -- desde "leves", de 200 a 2 mil euros, por "emitir expressões vexatórias" ou causar danos materiais, até graves, como medidas discriminatórias em ambientes de trabalho, com multas que podem variar entre 2 mil e 10 mil euros.

Por fim, o equivalente espanhol da tal "cura gay", já há tempos marginalizada ou proibida em várias comunidades autônomas espanholas, passa a ser oficialmente proibidíssimo e punidíssimo: qualquer tentativa de terapia de "conversão" -- inclusive com consentimento da pessoa-alvo -- é considerada infração gravíssima e pode resultar em multa de 10 mil a 150 mil euros.

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