Um programa de formação em jornalismo começou neste ano a treinar moradores de Paraisópolis, na zona sul de São Paulo, a combater a desinformação relacionada à saúde na região. Ao final do curso, os participantes publicam reportagens em uma revista distribuída no comércio local. A segunda edição, com 6.000 exemplares, circula em janeiro de 2023.
Com duas turmas previstas para 2023, o Repórter Paraisópolis engloba ações como um treinamento gratuito promovido pela Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, que oferece aulas sobre produção jornalística e também sobre temas de ciência e saúde. Para se inscrever, é preciso ser morador de Paraisópolis e ter cursado ou estar matriculado no mínimo no 9º ano do ensino fundamental.
O objetivo é disseminar informação confiável de saúde na comunidade, diz a diretora de comunicação do Einstein, Débora Pratali. "Trouxemos os jovens para fazer essa cocriação porque eles conhecem as necessidades locais. Eles sabem o que circula nas ruas, o que está no grupo de WhatsApp dos amigos."
Entre as atividades dos alunos está o levantamento de informações falsas que são explicadas em uma coluna fixa da revista com ajuda de especialistas. O trabalho de combate a fake news também acontece nas redes sociais e blog do projeto.
Uma sala do centro de voluntariado do Einstein em Paraisópolis foi reformada para funcionar como redação. A segunda edição do projeto, que aconteceu entre outubro e novembro, teve 15 participantes selecionados.
Os temas sugeridos pelos repórteres se debruçam sobre problemas de saúde observados na região, e englobam assuntos como pobreza menstrual, abuso de drogas e câncer.
O fotógrafo Caio Sales, 27, que mora em Paraisópolis há um ano, escolheu os baixos índices de vacinação contra poliomielite como tema de sua reportagem."Estava em busca de um assunto que pudesse ter impacto na vida das pessoas e comecei a perceber o negacionismo contra vacinas com a Covid-19", diz.
As matérias têm um caráter de serviço à população, apresentando um problema e mostrando como ele pode ser resolvido, explica Gabriel Alves, consultor de comunicação do Einstein e coordenador do projeto.
Segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) atualizados em 2019, a comunidade de Paraisópolis é a 4ª maior favela do país, com 19,2 mil domicílios classificados como ocupações irregulares.
Integrante da segunda turma do projeto, o desenvolvedor de aplicativos Edvaldo dos Santos, 42, conta que, além de entender melhor sobre a produção de notícias, também aprimorou a escrita depois de passar pelas oficinas.
"Os professores nos orientam a escrevermos de uma forma simples, usando palavras familiares para os leitores entenderem", diz. Depois do curso, Edvaldo diz que pretende continuar a produção de conteúdo. "Vou seguir no jornalismo de periferia com fanzines sobre ciência e saúde."
A segunda turma do curso, que começou com 15 alunos, teve cinco desistências, explica Débora Pratali, do Einstein. Alguns alunos, segundo ela, tiveram de abandonar as aulas porque começaram a trabalhar ou precisaram ajudar nas tarefas domésticas.
Ana Beatriz Ventura, 22, por exemplo, tem de conciliar o expediente de seis horas como recepcionista em um hospital particular com o treinamento. "Isso me dá oportunidade para estudar. Quero continuar fazendo cursos porque é um diferencial", diz.
Raphaela Oliveira, 18, participou da primeira turma, encerrada em julho, e continuou acompanhando as atividades do projeto. "Quando era criança, via os jornalistas na TV e queria muito estar ali, mas me diziam que eu não teria dinheiro para fazer o curso. Mas meu propósito de vida é ser jornalista". Ela aguarda o resultado do vestibular e espera se matricular no curso no ano que vem.
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