Pitaco Cultural

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Pitaco Cultural - Mariana Agunzi
Mariana Agunzi

Biografia de Ney Matogrosso revela ambivalência do artista em seus 80 anos, conta leitora

Professora da UFRN escreve suas impressões sobre 'Ney Matogrosso: A Biografia', de Julio Maria

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O pitaco de hoje é assinado pela leitora Lilian Muneiro, professora do Departamento de Comunicação da UFRN. Lilian conta ao blog que assistiu a um show de Ney Matogrosso no fim do ano passado, e que ficou maravilhada com sua "vitalidade, voz e elegância no palco".

A professora acabou lendo, então, a biografia do artista, escrita por Julio Maria e publicada pela Companhia das Letras. "Foi inevitável estabelecer relações do livro com o show", ela diz. "Decidi escrever esta resenha para que mais pessoas olhassem o Ney, e também sua biografia, escrita tão lindamente."

*

"Ney Matogrosso: A Biografia", lançada em julho do ano passado, pode ser uma das leituras valorosas para quem acompanhou a trajetória do artista. E também para quem apenas o olhou com curiosidade, mas aprendeu trechos ou algumas de suas canções. Trata-se de um livro certeiro para quem gosta da história da música brasileira –quem tem prazer de juntar peças para compor seu quadro musical e também quer saber como a indústria cultural operou em vários momentos.

Ney Matogrosso show no Coala Festival 2019, no Memorial da América Latina (zona oeste de São Paulo)
Ney Matogrosso show no Coala Festival 2019, no Memorial da América Latina (zona oeste de São Paulo) - Divulgação

O livro assinado pelo escritor Julio Maria entrega ao leitor, talvez em parte, algumas facetas da grandeza de Ney Matogrosso, um dos mais genuínos artistas brasileiros. Tenho para mim que os cinco anos de pesquisa do jornalista, apresentada em 480 páginas (com imagens primorosamente selecionadas), não dão conta de expor a ambivalência de 80 anos do elegante homem, que canta afinado e exibindo olhos de pássaro –um pássaro que pode estar prestes a atacar, e dança tendo o corpo como extensão de sua alma.

A infância; um pouco da biografia de seus pais, Beita de Souza Pereira e Antonio Mato Grosso Pereira; a formação escolar –difícil para seus talentos e por vezes descompassada–; sua passagem pela aeronáutica; o trabalho sensível que desempenhou em hospital cuidando de crianças; a vida de artesão, que talvez tenha fomentado seu senso de criação e estética; e ascensões e declínios na esfera artística estão na obra. Mas não só. A solidão pode ser entendida como fio tensor que talvez o acompanhe, mesmo com uma vida pulsante e repleta de desafios.

Sua necessidade de ser livre e amar as pessoas gerou incômodos e rompimentos. O modo de se expressar o fez dar explicações para quem queria controlar a arte no país, e o duo "liberdade e certeza do que queria" o fez tomar decisões difíceis, que o levaram a enfrentar sérias privações materiais. Ney fez o que precisava fazer. Falou com quem tinha que falar, foi e voltou. Caiu e levantou. Recebeu apoio de amigos e foi braço forte quando pôde, até deixando um saco de dinheiro na sala de sua casa: "quem precisar pode pegar".

Ney cantou (e canta) tudo que pode e deseja. Recebeu músicas de Piazzola para gravar, e de tantos outros nomes célebres que viram em sua voz clara e de alcance certeiro, com pausas cravadas capazes de forjar o sentido persuasivo no ambiente, a chance, quem sabe, de se perpetuarem no tempo. A época dos Secos e Molhados, a carreira solo, sua retidão com parceiros musicais, seu conhecimento de iluminação e técnica, a direção dos espetáculos, os figurinos... tudo está na obra.

O enfrentamento da doença que o rondou, a Aids, a impotência diante da perda de amores –a morte não espera– , a busca pelo seu fortalecimento espiritual e o autoconhecimento vão sendo descortinados pelo leitor. Das drogas ao silêncio. Da clareza de como seus shows deveriam ser, de como os jovens roqueiros poderiam ascender (e sim, RPM foi o que foi graças a ele e talvez a Cazuza!), tenha ganhado mais sentido no tempo que teve conosco ao lado de Ney e seu gênio.

Ao invés de definhar numa cama, a mercê do HIV, o enfrentamento da doença o colocou nos palcos, nas condições possíveis. Da festa à introspecção, da construção lenta e animada à versão mais madura e comedida –não menos sofisticada... Tudo está na obra. E teria mais a dizer. "Sangue Latino", "Rosa de Hiroshima", "O Vira", "Pavão Mysteriozo" ficam conosco durante a leitura. Nos suscitam suas temáticas, seus conectores isotópicos.

"Ney Matogrosso: A Biografia" finda na época da pandemia, falando do artista em 2020. Acrescento que Ney está apoteótico e em show realizado em Natal (RN), numa noite especial meses após o livro ser lançado, fiquei deslumbrada ao vê-lo colocando seu "Bloco na Rua" –música da abertura. Só faltou dizer que "sou seu tipo".

*

E você, que filmes, séries ou peças tem assistido? Viu algum espetáculo online ou presencial na pandemia? Tem algum livro que o marcou e que queira compartilhar? Escreva para o email pitacocultural@gmail.com e envie sua resenha. Não esqueça de mandar nome completo, profissão, idade e cidade.

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