Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Direitos humanos para quem?

Conhecendo o cenário brasileiro e os quatro motivos que impedem o avanço na agenda de direitos humanos

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Scarlett Rodrigues

Analista de projetos em direitos humanos na área de Práticas Empresariais e Políticas Públicas do Instituto Ethos

O final do ano é marcado pelo Dia Internacional dos Direitos Humanos (10 de dezembro), definido pela ONU (Organização das Nações Unidas). Nessa data em 1948 foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos pela Assembleia Geral da ONU, sendo um dos primeiros documentos internacionais e universais a assegurar e definir responsabilidades acerca da promoção dos direitos humanos.

A Declaração reúne princípios e valores que devem ser assumidos pelos governos, empresas e sociedade civil, estabelecendo um compromisso global em busca da promoção da justiça social e direitos.

A agenda vem ganhando um pouco mais de destaque, estando presente em discussões políticas e institucionais na sociedade. Segundo a pesquisa da Pulso Brasil Ipsos de 2018, 63% da população brasileira entrevistada é a favor dos direitos humanos. Porém, 54% concordam com a frase "os direitos humanos não defendem pessoas como eu".

Mulher negra veste roupa branca e segura microfone
Scarlett Rodrigues é mestra em políticas públicas pela Universidade Federal do ABC e especialista em direito Constitucional na Anhanguera - Divulgação

Sendo o oitavo país mais desigual do mundo (ONU), no qual 1% da população brasileira ganha 32,5 vezes mais que a metade mais pobre (PNAD Contínua, 2022), temos: o aumento da violência contra a população negra. A cada dez pessoas assassinadas, oito são negras (Atlas da Violência, IPEA, 2022).

Trabalho: diferença salarial entre homens e mulheres sobe para 22% e a diferença salarial entre trabalhadores pretos e brancos é de 40,2% (IBGE, 2022). No primeiro semestre de 2023, mais de 2.000 pessoas foram resgatadas em situação de trabalho escravo. Fome: 33,1 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar (Oxfam, 2022) –e a fome tem cor e gênero.

Considerando o contexto, vale perguntar: direitos humanos para quem? Os dados revelam quais corpos não se sentem protegidos pelos direitos humanos e os motivos. E por trás dos números, existem nomes, histórias, famílias, sonhos e cicatrizes.

A sociedade brasileira nasceu no berço da violência, logo, temos gargalos históricos a serem combatidos, revelando marcadores sociais que colocam esses corpos –geralmente de pessoas negras, mulheres e povos originários (e suas interseccionalidades)– na mira das repetidas violações ou retiradas de direitos. Revelam também um cenário alarmante e urgente.

Por que ainda não avançamos na promoção dos direitos humanos e da dignidade humana para todas as pessoas? Trago apenas quatro provocações que podem auxiliar na resposta:

1) O lucro ainda está acima da vida e da dignidade humana;

2) Distanciamento da agenda e das discussões da população. A compreensão de ser uma pessoa sujeita de direitos e como isso se reflete no cotidiano é fundamental para o reconhecimento de quais direitos estão sendo negados e assim, endereçar e responsabilizar. Por isso, precisamos democratizar a informação e o acesso aos direitos. Conhecimento liberta;

3) Pesquisas revelam um agravamento das violações de direitos cometidas pelas empresas em suas cadeias de valor. O setor privado também possui a responsabilidade de zelar pelo bem comum e promover práticas empresariais e políticas públicas pautadas em direitos humanos e que se ampliem à todas as partes interessadas. Por isso, um caminho é realizar (constantemente) a análise de impactos e riscos em direitos humanos (Devida Diligência em DH) para prevenir, mitigar e reparar violações e principalmente, não repetir;

4) Ausência de representatividade nas tomadas de decisões. Nossos corpos continuam ocupando um lugar de marginalização, no qual a nossa dor "prende atenção", mas não somos chamados e chamadas para a mesa de negociação e de estratégia para elaboração das práticas empresariais e das políticas públicas.

Apesar do cenário, o Brasil tem tudo para se tornar protagonista na agenda social através de ações mais concretas que requerem urgência e coletividade, para alcançarmos uma sociedade mais justa e respeitosa.

Por fim, que em 2024 não seja mais preciso abrir nossas feridas para "convencer" as pessoas e instituições sobre a importância de priorizar a vida e garantir direitos. O diagnóstico está posto, mas os caminhos para uma mudança significativa também.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha de S.Paulo sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Scarlett Rodrigues foi "AmarElo", de Emicida.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.